Prezados leitores,
O ano era 1974. A Edição de nº47 da Revista Mônica, com todas as cores e humor, em uma historinha da turma da mata, já chamava atenção para o fato de que boa parte da humanidade não consegue viver com notícias amenas, comportamento que alguns pensam ser coisa do século XXI. A busca no noticiário, nas séries de televisão, nos filmes e, porque não, nos livros, pelo confronto, pela discórdia, pelas brigas, explosões e fatos surpreendentes, raramente positivos, é uma característica de uma grande parcela da população.
1990. Guerra do Golfo transmitida ao vivo pela CNN, um furo! As pessoas ficavam em frente à telinha (na época, telonas eram raras) por horas, vendo o sofrimento causado pelos mísseis, principalmente direcionados à capital do Iraque, Bagdá. Eu me recordo de, em um daqueles dias, ter ficado sentado em um sofá, em um quarto no fundo de minha casa, ao lado de meu irmão, Alexandre, e de meu amigo, Luciano, assistindo aos bombardeios, totalmente paralisado, absorvendo a barbárie em todos níveis de consciência e inconsciência. Em um determinado momento, um avião, possivelmente um jato particular, foi se aproximando do espaço aéreo acima de minha casa. À medida em que o som da aeronave aumentava, começamos a ficar internamente desesperados, até que, no momento em que o jato estava muito próximo (mas muito acima, é claro) e o barulho ficou muito forte, parecendo com o de um míssil, meu irmão saiu correndo a mil por hora. Venceria fácil, fácil, o jamaicano Usain Bolt nos 100m rasos, tal velocidade que imprimiu na sua fuga. Luciano o acompanhou depois. Eu fiquei paralisado por um tempo, imóvel, aceitando meu destino. Mas também corri, após uns segundos. Então, felizmente, o avião passou. Nos entreolhamos, rimos bastante e desligamos a televisão, reconhecendo o absurdo de tudo aquilo.
1994. O piloto Ayrton Senna morre. Trágico acidente? Trágico ou não, a cena da batida de Senna foi repetida em todos os noticiários. Poucos acreditavam que aquilo fosse verdade. A encarnação de sucesso de um brasileiro havia morrido. Comoção nacional. No decorrer da semana, eu me recordo de ter chegado à casa de uma aluna e ela não conseguiu ter aula. Ficou meio que olhando para a TV, acompanhando o cortejo fúnebre, o que tomou conta de todo o horário televisivo. Meu pai havia falecido há um ano. Eu não podia me dar ao luxo de ficar vendo o enterro do Senna, mesmo que gostasse de ver sua arte pelas pistas. Na ocasião, eu me recordo da opinião de duas pessoas. A primeira foi de um aluno que fazia mestrado em Economia aqui em Belo Horizonte. Sendo de outra cidade, pagando aluguel, e, obviamente, pela própria natureza do curso que fazia, me disse: "O enterro do Senna não vai me ajudar no meu mestrado". A outra fala veio exatamente de um desafeto de Ayrton, o também piloto Nelson Piquet. Em entrevista a Marília Gabriela, disse algo como: "É perfeitamente compreensível a comoção, pois Senna era um ídolo nacional. Mas é bom deixar claro que estamos ali correndo muito risco, nossos seguros são altíssimos. As pessoas ligam a televisão para ver a largada, carros rodando, ultrapassagens e acidentes espetaculares." Ou seja, uma casca de ovo a mais de 300km/h pode bater a qualquer momento. E um piloto pode morrer. É algo previsível. Mesmo com o aumento dos níveis de segurança, às vezes ocorre. Em 2014, o francês Jules Bianchi morreu durante o grande prêmio do Japão. E a coisa já foi muito pior. Nos anos 70, 12 pilotos morreram nas pistas. Em 1976, Niki Lauda saiu de um carro em chamas. Quase morreu. Voltou às pistas após algumas etapas e por muito pouco perdeu o campeonato para o louquíssimo James Hunt. O show deve continuar! O povo delira e a mídia adora.
Sobre os criticados jornais televisivos, parei de assisti-los há muito tempo. Vejo algumas manchetes, uma ou outra reportagem, para saber sobre o que eles estão falando. É como ver propagandas de novela e saber tudo que está acontecendo nelas, pois o noticiário é repetitivo e utiliza seu espaço com o que as pessoas querem ver, mesmo que os comentários e as críticas digam que ele sempre impõe sua pauta. Observo isso com o afastamento necessário, pois não vejo uma edição do Jornal Nacional, da Rede Globo, há cerca de 20 anos, por exemplo. E, curiosamente, acompanhei, por mídias sociais, alguns comentários curiosos sobre este. Veio de defensores do partido PT. Eles disseram terem assistido a uma edição do mencionado telejornal apenas para ter o prazer de ver o nome e a foto de Aécio Neves, na tela da Rede Globo, em uma reportagem que mencionava os nomes de políticos citados (por delatores) por atos de corrupção, na curso das investigações da operação lava jato.
Quando era criança, a Rede Globo tinha programas muito melhores, como 'Concertos para a Juventude', 'Rock Concert', e o ainda em atividade 'Globo Repórter'. Com o tempo, a programação foi se tornando fútil, pouquíssimo cultural. Só foi salvo o Globo Repórter, agora transmitido às sextas-feiras, tarde da noite, e cada vez menor, e certos programas regionais, como, em Minas Gerais, o Terra de Minas (Sábado, depois do Jornal Hoje, horário até razoável) e o Globo Horizonte (Domingo, no início da manhã, só para os que gostam mesmo). Então, o que faço: raramente vejo a Globo, pronto. E ponto. Se não gosto e me faz mal, não vejo. Observo muitas pessoas, principalmente que se declaram 'esquerdistas', criticarem a emissora, a chamando de golpista e blá blá blá. Mas, sempre que há uma notícia que lhes agrada, publicada no site G1, lá vem eles compartilhando o link do G1 nas redes sociais. O ridículo é que todos os telejornais dos canais abertos têm conteúdo semelhante. Às vezes não falam de um assunto ou outro, para proteger um patrocinador. E muitos são bem agressivos, chegando a ser reacionários. Mas a crítica vem sempre em cima da Globo.
Eu gosto de dar alimento para o quê e para quem quero ver crescer e produzir frutos. O que acho nocivo, de mau gosto e desagradável, não merece nem comentário. Na verdade, os canais abertos são mais o reflexo do que as pessoas querem ver do que uma imposição de programação. Um reflexo do nível sócio cultural da população. Além disso, antes de iniciar um programa, muitas pesquisas são feitas com a população, o que já gerou, por exemplo, a introdução de famílias negras de classe média e relacionamentos homossexuais nas telenovelas, ampliando a representatividade nesses programas (o que é bom, é claro). A teledramaturgia também insere problemas psiquiátricos, de alcoolismo, além de exibir muita nudez, tudo para manter e aumentar a audiência.
Os canais de TV paga não ficam muito longe. Até alguns anos atrás, eu considerava a Globo News um excelente canal. Pouca propaganda e muitos programas culturais. Ainda mantém um pouco desse direcionamento. Porém, os programas jornalísticos extensos vem tomando conta da programação, empurrando os programas culturais para horários menos nobres. Tudo por conta das notícias não amenas. A maioria das pessoas querem ver algo estrondoso, como a prisão de um senador, por exemplo. Quando Lula foi levado, coercitivamente, para um depoimento, eu me recordo que fiquei sabendo da notícia através de um post de um amigo no Facebook, que escreveu algo do tipo: "Agora vai. Tem que dar certo!". Não tenho simpatia pelo Sr. Lula, mas o fato dele ter seus problemas com a justiça não é notícia boa. Ele é ex-Presidente da República. Isso é péssimo para o nosso país, interna e externamente. E 'parece' que ele não é o único ex-presidente vivo com problemas similares.
Sobre as crises políticas, quando ocorrem os longos depoimentos em CPIs, quando surgem as notícias bombásticas, eu sempre fico prejudicado. Às vezes perco uma entrevista legal que passou às 23h do dia anterior na citada Globonews e, no outro dia, ao ligar a TV para assistir a reprise, vejo um cara engravatado dando um depoimento no senado. Tudo para deixar o telespectador 'ligado'.
Furacões, atentados terroristas, crimes em família, greves, mortes, renúncia ou morte (também eleição e viagens, estas bem mais amenas) de Papa, tiroteios, acidentes trágicos em estradas! As notícias 'ruins' se sucedem. O enfraquecimento e natural esvaziamento de uma gera a necessidade de outra, para manter ou mesmo aumentar os índices de audiência. Eu me recordo de conversar com uma moça que me disse, na ocasião, que estava acompanhando 'de perto' (mesmo que há uns 600 km de distância) o caso da menina Isabella Nardoni que, em 2008, foi arremessada pela janela de um apartamento, segundo foi concluído pela justiça, pela madrasta e pelo próprio pai.
É claro que o noticiário que cobre escândalos políticos e tragédias é o mais apelativo. Mas o de esportes também o é. No início deste texto falei um pouco da Fórmula 1, ou melhor, dos acidentes da Fórmula 1. Bem, esporte, na minha opinião, é uma das coisas mais gostosas de praticar e uma das mais chatas de assistir. Os diversos esportes só se mantém muito bem televisionados por causa das surpresas que muitas vezes ocorrem. Foi o caso da maratonista suíça Gabriela Andersen-Schiess, que conseguiu cruzar a linha de chegada com muita dificuldade, devido à sua exaustão física, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. O povo no estádio aplaudia muito e, na TV, todo mundo parou para ver seu sacrifício. Fato curioso foi também o jogo Portugal X Neerlândia (Países Baixos), na péssima Copa do Mundo de 2006, quando o 'pau quebrou' e, já que 'na bola' a Copa não ia bem, um jogo 'quente', cheio de faltas feias e expulsões (foram dados 16 cartões amarelos e 4 vermelhos), virou o melhor dela! Após a Copa de 2010, que foi também meio chata, as regras do jogo foram mudadas e o tamanho do campo reduzido, o que transformou o futebol em um circo romano e com muito mais gols. Equipes que nunca tiveram muita projeção conseguiram até ganhar alguns campeonatos importantes, sempre se utilizando das famosas arenas, com muita gritaria da torcida e, consequentemente, correria do time.
Felizmente as belas vitórias chamam ainda mais atenção e prendem o público também. Mas, sem o elemento superação, que inclui uma dose de sofrimento, a coisa fica meio sem graça. Foi bonito ver o Dream Team dos Estados Unidos disputar as Olimpíadas de Barcelona, em 1992. Mas, sem nenhum adversário à altura (bem que a Croácia tentou, na final), ficou uma coisa meio Harlem Globetrotters, uma exibição. Por outro lado, na Eurocopa 2016, o golaço de Portugal, no segundo tempo da prorrogação, contra a França, dentro da França, tendo perdido seu melhor jogador, o melhor-do-mundo Cristiano Ronaldo (no princípio do jogo), é um exemplo de superação! Para completar, Éder, o jogador que marcou o gol é negro e nasceu na Guiné-Bissau, isso tudo no meio de uma crise europeia que vem aumentando os níveis de xenofobia em todo o continente! Valem as lágrimas!
Voltando à política, observo que hoje em dia muita gente virou jornalista, jurista e comentarista. Sem nenhuma base, conhecimento, auto controle, reflexão e, o que é mais importante, sabedoria, muitos dos perfis das redes sociais, principalmente do Facebook, se tornaram 'jornalzinhos' particulares sobre política, algo como as antigas fanzines. Muito ideológicas, sem profundidade, as pessoas compartilham qualquer coisa que lhes agradam e pouco do que escrevem tem discernimento. Publicações vindas de páginas que só escrevem de um lado da história (ou estória), sejam elas chamadas de 'esquerda' ou 'direita', é lugar-comum. Uma amiga é fã de um sujeito que diz ser jornalista, mas seu perfil é estranho, não tem foto, não há nenhuma referência sobre ele na internet e o tipo só fala de um ponto de vista. Desponta para o anonimato.
Mas e a notícia, não deve ser dada? Perguntei uma vez ao célebre e respeitadíssimo jornalista Zuenir Ventura, autor, dentre outros livros, de '1968 - O Ano Que Não Terminou', sobre o assunto. Sua resposta foi categórica, relatando que o volume de informações que chega a uma redação é tão grande, hoje em dia, que eles têm dificuldade para filtrar e confirmar tudo. E, mesmo que um jornal, escrito ou televisivo, não publique essas notícias bombásticas, os outros o farão e ele fica para trás. Zuenir, que estava lançando seu romance 'A Sagrada Família' disse da sua felicidade em escrever uma história de ficção, em que teve muita liberdade para inventar, pois notícias sobre política davam muito trabalho. Ele disse que podem ocorrer exageros, sim, mas que os repórteres sérios checam com várias fontes para terem certeza de que uma informação é correta. O processo todo é extremamente trabalhoso.
E como ser bem informado? Bem, meu texto já dá, nem modesta e nem imodestamente, o exemplo. Todos os dados acima foram cuidadosamente checados em páginas oficiais e sempre em mais de uma. Minha memória é boa, mas não é o suficiente. Minha experiência como tradutor ajuda. No caso de um texto científico, muitas vezes encontro a tradução de um termo técnico em um dicionário físico ou virtual. Mas, para a comprovação da existência e uso do termo, sempre realizo uma pesquisa rigorosa em textos publicados em sites e/ou revistas, muitas vezes ligados a boas universidades e sempre com excelente aceitação pelos profissionais da área de estudo. E ainda utilizo minha querida biblioteca física. Isso tudo vem com a experiência, é claro. Este é só um exemplo, pois cada área tem sua característica própria para uma boa análise.
Sobre opinião pessoal a respeito de um assunto polêmico ou não, entendo que o conhecimento é importante, bem como a inteligência para fazer as ligações que nos permitem uma reflexão. Mas sem sabedoria, o vazio é enorme. Ideologias fortes e muito enraizadas nas profundas camadas inconscientes das pessoas prejudicam sensivelmente o discernimento e, consequentemente, cegam da pior forma os seres humanos. De seu cárcere, é difícil sair, pois as grades são, muitas vezes, impenetráveis.
As notícias amenas ou não são como qualquer coisa que ingerimos, como a luz do sol, o alimento e a água. Portanto, concluo este texto com uma orientação do mestre vietnamita Thich Nhat Hanh, que nos ensina em seu Quinto Treinamento Para a Plena Consciência, em um quase mantra:
"Ciente pelo sofrimento causado pelo consumo não consciente, eu me comprometo a cultivar boa saúde, tanto física, como mental, para mim mesmo, minha família e minha sociedade, ao comer, beber e consumir em plena consciência. Eu me comprometo a ingerir somente itens que preservem a paz, o bem-estar e alegria em meu corpo, em minha consciência e no corpo e consciência coletivos de minha família e sociedade. Eu estou determinado a não usar álcool ou qualquer outro intoxicantes e não ingerir comidas ou outros itens que contém toxinas, como certos programas de TV, revistas, livros, filmes e conversas. Eu estou ciente de que causar dano ao meu corpo, ou minha consciência, com estes venenos, é trair meus ancestrais, meus pais, minha sociedade e as futuras gerações. Eu trabalharei para transformar a violência, o medo, a raiva e a confusão em mim mesmo e na sociedade, ao praticar uma dieta para mim e para a sociedade. Eu entendo que uma dieta apropriada é crucial para a autotransformação e para a transformação da sociedade."
Bem, só uma pequena ressalva: um cálice de vinho, em um momento apropriado, não faz mal a ninguém!
Um abraço a todos e que tenham uma bela semana!
As imagens foram utilizadas somente com o objetivo de ilustrar a mensagem. Não há fins comerciais.
Créditos:
Revista Mônica nº47, originalmente lançada em março de 1974. Aqui na edição comemorativa de maio de 2015, publicada pela Panini Comics, págs. 36 a 41;
Tradução livre do trecho entitulado 'The Fifth Mindfulness Training', págs. 55 e 56, do livro 'The Art Of Power', de Thich Nhat Hanh, lançado pela HarperOne em 2007.