segunda-feira, 22 de junho de 2020

O Mundo Que O Tempo Esqueceu


“Qual era seu rosto antes que seus pais tivessem nascido?”
Koan Zen
A compreensão de um Koan não se alcança com o raciocínio e sim com a vivência e o discernimento.

‘Aguardo’ há 102 anos esse novo encontro com uma moléstia mundial. A de outrora gerou uma tragédia na família de meu pai e uma vitória na família de minha mãe. Muito presente nas células de meu corpo e na memória das histórias a mim relatadas.

A gripe ‘espanhola’ (que, na verdade, surgiu no estado do Kansas, EUA), provocada por um vírus mortal, foi mundialmente vivenciada no período entre 1918 e 1920. O inimigo invisível. Essa última pandemia, antes da que vivenciamos agora, matou 50 milhões de pessoas. O combate nos deixou muitas lições. Devemos observá-las para que possamos sobreviver a essa nova ameaça.

Minha avó paterna foi uma das vítimas, deixando 3 filhas, uma de 1 ano e 4 meses, e um filho, meu pai, com 7 anos. Já minha avó materna sobreviveu à moléstia, pois seu pai, um experiente farmacêutico, responsável por tratar de muitos doentes na região em que moravam, a curou.

Estudando sobre a pandemia de 1918-1920, descobri que só os epidemiologistas e outros poucos especialistas de outras áreas da ciência sabem do assunto. Isolamento social, uso de proteção facial, higienização, fechamento de comércio, restaurantes e casas de espetáculos, esforço para tratar os doentes com os melhores recursos que possuíam foram medidas que, onde adotadas com rigor, evitaram uma tragédia maior. Onde o desleixo imperou, o problema gerou um caos. Quanto mais seriedade, menos mortes e retorno mais rápido à vida cotidiana. Quanto mais afrouxamento, mais mortes e dificuldades para que a vida voltasse ao normal.

Claro que o mundo vivia outra época. A primeira guerra mundial (1914 – 1918) estava no fim. Entre 20 e 30 milhões de vidas já tinham sido ceifadas pela estupidez do conflito. A ciência e tecnologia eram outras. Mas, a circulação de pessoas e mercadorias entre cidades, estados e países era bem menor. Ou seja, esperamos que as mortes jamais cheguem perto do número assustador da pandemia de 100 anos atrás. Mas o contágio talvez ocorra por um tempo maior.

O mundo de hoje, como o de outrora, apresenta uma quase inexistente coordenação internacional. É cada um por si. Cada país, com raras exceções, toma suas medidas como se fosse o único.

A primeira coisa a ficar bem clara, não pelos governos, que têm que se manter dentro dos limites da diplomacia, e sim pela imprensa e pelos futuros livros sobre o tema, é que o vírus teve sua origem na China e os chineses, seja por manipulação sem cuidado com animais para consumo humano ou por acidente em laboratório, são os responsáveis por essa crise. Isso não é xenofobia. É fato. É o mesmo que negar que Donald Trump nasceu em Nova York.

Esse aí, que curiosamente é o presidente dos Estados Unidos, é o responsável pela total falta de coordenação da política sanitária naquele país, nesta crise. Completamente despreparado para o cargo, chegou a sugerir, no final de abril, que injeções de desinfetante poderiam ser usadas para tratar a Covid-19. Um horror!

Entrando no cenário de nosso país, a coisa toma uma dimensão absurda. O presidento da república, o que não sabe nada sobre coisa alguma, ajudou a transformar o país em um ambiente favorável à disseminação do vírus, por vários motivos. Nega o poder de contágio e de letalidade do coronavírus, prega o charlatanismo ao impor medicamento que já foi rejeitado pela comunidade científica mundial (há umas reviravoltas, mas todas infundadas) e, pela sua insanidade mental, transformou o cenário político em uma quase guerra entre adeptos da democracia e ignorantes que querem uma ditadura de base militar.

Se não tivéssemos, no momento em que escrevo esse texto, já ultrapassada a tristíssima marca de 1 milhão de casos de contágio e o lamentável número de 50 mil mortes oficiais (sem contar a certa subnotificação), estaríamos em um cenário de programa de humor.

Aquela reunião ministerial do dia 22 de abril é de um nível baixíssimo, tanto de vocabulário, quanto de ‘ideias’. E o presidento, circulando sem máscara, coçando nariz, cumprimentando todo mundo, interagindo com manifestações antidemocráticas, falando bobagens pelos cotovelos (segundo uma amiga, com um vocabulário de pouquíssimas palavras) e enrolado, junto com a família, até o pescoço, é uma tragédia ambulante.

De repente encontram um tal de Queiroz, figura do submundo do ‘clã’ Bolsonaro, escondido numa casa que pertence ao advogado da família do Presidento. As desculpas do tal advogado, que, como bem disse um amigo, ‘é uma mistura de Stallone depois da varíola com segurança de mafioso’, foram motivo de riso e piada.

Parecia que o estado de São Paulo e a capital iam bem administrados. Mas, sem experiência, tanto o prefeito, infelizmente um homem de saúde frágil, e o governador, um sujeito quadrado, todo teso, que mais lembra uma das marionetes da antiga série Thunderbirds are Go (ou Thunderbirds em Ação), perderam o timing. Mas, há bons exemplos no estado de São Paulo. A prefeitura da cidade de Praia Grande, na Baixada Santista, que sempre investiu em saúde familiar, está sendo muito eficaz em localizar os casos, tratá-los de forma adequada, gerando uma taxa de letalidade de 2,7%, pequena se comparada ao restante do país.

O Rio de Janeiro é um caso à parte. Loteamento de crápulas e exorcistas, vai de ruim a péssimo. Praias cada vez mais cheias, vida normal no comércio de rua e número de casos explodindo.

Minha cidade, Belo Horizonte, até que foi bem no princípio, mas as pessoas não têm espírito coletivo. Creem que suas vidinhas são mais importantes que as dos outros. Muitos circulam sem máscaras, correndo nas ruas também sem essa proteção, misturando-se a outros em festinhas, passeando por cidades vizinhas (com o risco de levar ou trazer o vírus), dentre outras desconsiderações para com os semelhantes.

Eu já escutei de tudo. Desde amigo que mora na periferia, contando que o comum lá é encontrar álcool 70 falsificado, passando por amiga que foi em chá de bebê e me relatou estar todo mundo à vontade, inclusive a grávida e uma velha com andador, até uma festa de ricaços com direito à testagem prévia de Covid-19, regiamente paga pelo aniversariante idoso.

Bem, aí está, escancarado, o problema do Brasil, o país das castas. A chamada classe c, que, em um tempo de pleno emprego e com estimulado desejo de consumo, entupiu suas casas com uma parafernália eletroeletrônica, sofre com transporte precário, falta de saneamento básico, sofrível assistência à saúde, dentre outros tantos problemas históricos de nossa nação. Um país com muitos pobres e miseráveis, fruto do descaso e da falta de amor de uma sociedade que despreza seu irmão e irmã e vive como se nada estivesse acontecendo em seu quintal.

Muito triste. Poderia escrever vários outros parágrafos. Mas fico por aqui, para não cansar mais quem este lê. Quero só lembrar de duas curtas historinhas.

Em janeiro deste ano, bem antes que a pandemia virasse realidade por aqui, eu fui a um ensaio de meu grupo de rock usando máscara. Estava resfriado e não queria passar doença para ninguém. Ao sair da sala de ensaio, encontrei um amigo que me perguntou:
– ‘Ué, Nestinho, você tá parecendo japonês?’
Respondi:
– Sim, eu uso máscara há 2 décadas, sempre que preciso proteger a mim ou às outras pessoas!’

Bem, e a vovó que sobreviveu à gripe do Kansas? Lembro dela com muito carinho. Com ela convivi por 7 anos. Quando eu tinha uns 4 anos, ela me levou ao banheiro e me ensinou a lavar as mãos, com muito cuidado. Falou umas coisas que não me lembro bem. Mas me recordo da última frase: ‘Nestinho, nunca se esqueça de lavar as mãozinhas ao chegar em casa!’