segunda-feira, 18 de maio de 2020

You're Once, Twice, Three Times a Lady…


Peço desculpas pelo título em inglês. Vem da linda canção ‘Three Times a Lady’, dos Commodores. Significa ‘Você é Uma, Duas, Três Vezes uma Dama’.

O confinamento, ou, pelo menos, a aproximação não imaginada dos casais antes separados pela vida agitada do dia a dia, leva a uma questão muito importante: O que realmente as pessoas conhecem do seu companheiro ou da sua companheira? Ou seja, até que ponto os relacionamentos caminharam com ou sem o conhecimento mútuo?

Quando meditamos, principalmente segundo a prática zen budista, ‘buscamos’ esvaziar a mente. Não é uma tarefa fácil, exige prática, desapego, abandono de objetivos. Eu costumo dizer que a meditação, dessa maneira, é de certa forma perigosa caso o praticante não esteja emocionalmente equilibrado. Curiosamente, você tem que ter algum ‘ego’ para que possa controlá-lo, mas sem o risco de se anular. É um pouco paradoxal e isso é difícil de explicar pela linguagem. Porém, darei um exemplo.

Sou professor de idiomas, músico e escritor. Além da necessária prática e estudo constantes, para mim não é muito difícil entender que tenho essas atividades, pois elas são da minha natureza, seria bobagem questioná-las. Faço por dom e vocação.

Após algum tempo meditando, não só necessariamente na posição sentada tradicional, mas nas atividades do dia a dia, como lavar pratos e jardinagem, comecei a entender que eu era muito mais que um professor, músico e escritor. Eu era a água que bebia, que vinha do filtro de barro que a continha, as pessoas que haviam construído o sistema de tubulação, desde a captação até a torneira de minha casa. Eu era o sol, pois sem ele não podia viver, quem poderia? Também era todos os alimentos que ingeria e quem os produzia, os programas de televisão e os filmes que assistia, os livros cujos ensinamentos absorvia. Era meus amigos e professores e a biológica continuação de meus pais, bem como de todos meus antepassados. Em suma, eu era tudo que achava que eu não era antes. O não-eu. Era (e sou) feito e continuado por elementos externos a mim mesmo.

Aí estava (e está) o perigo. Uma pessoa que chegar nesse ponto pode perder a sua identidade. Acompanhei, em sala de meditação, por exemplo, uma professora de inglês que abandonou sua profissão e caminhava para se tornar monja. Bem, isso não é uma coisa ruim. Mas tudo depende de ser natural. Conversando com ela, notei, no processo, uma perigosa perda de identidade. Ela, na verdade, se tornara somente uma não-ela.

Mas, qual seria o caminho mais natural a seguir?

Ao percorrer esse trajeto, você pode chegar onde sempre esteve, mas não sabia, na ‘terceira’ pessoa. A primeira é aquela que crê somente na sua individualidade, focada no seu pequeno mundinho do ‘eu primeiro’. A ‘segunda’ é aquela que enxerga um mundo muito mais além, mas somente externo ao seu ser. A ‘terceira’ é a mescla das duas primeiras. Você entende sua individualidade, sabe dos seus afazeres naturais, mas compreende também que está conectado com todas as coisas, é responsável pela preservação de toda e qualquer espécie e não deve fazer uso de nada além da sua própria necessidade, pois em cada célula de seu corpo está presente todo o universo.

O que toda essa explanação tem a ver com o olhar profundo para sua namorada, namorado, esposa ou marido?

Do meu ponto de vista, posso me encantar com a beleza de uma mulher à primeira vista, seja por um rosto bonito, por um corpo sensual e/ou mesmo por outros detalhes, como a inteligência. De acordo com a ciência, isso ocorre por substâncias químicas que causam o desejo pelo outro ser. Mas saber disso pouco ajuda. O importante mencionar é que algumas pessoas ficam tão apaixonadas pela imagem de outra que isso pode se tornar doentio. Se for recíproco, é comum gerar um casamento relâmpago. Ou seja, um sabe rigorosamente nada do outro, mas casa prometendo amor eterno. Acredito que separações de relacionamentos assim consumados devem ser o mais comum.

A primeira ‘dama’ é exatamente essa, uma imagem. Real, é claro, mas que é absolutamente superficial, pois não se conhece profundamente como é a pessoa.

Para se conhecer a segunda ‘dama’, a primeira tem que ser ‘completada’ de alguma forma nesse momento. Essa fase é muito importante. Há que se conhecer, com todo o coração e alma, a trajetória da pessoa, seus dons e virtudes, suas origens, sua família, suas lutas e conquistas, suas dores e alegrias. Se ela tem uma religião, por exemplo, é importante conhecer e, porque não, se envolver com a mensagem e com a comunidade. Caso ela venha de uma cultura diferente, como é bom se interessar por suas tradições e história. Caso você goste de praia e ela do campo, agradável é procurar se interessar pelo campo também, sem deixar a praia de lado.

É essencial escutar. Às vezes a outra pessoa precisa esvaziar a mente, necessita contar sobre sua vida e suas experiências. Se ela encontra alguém que busca amá-la e esteja disposto a ouvi-la e ela nele confia, precisa falar. Quanto mais o ‘olhar’ e o ‘ouvir’ profundos estejam presentes, mais conectados ficam os seres humanos. Também por isso somos diferenciados dos outros animais.

Mas atenção: A beleza, que inicialmente pode ter sido motivo de atração, jamais deve ser abandonada. Ela deve ser protegida em um local muito seguro, sempre presente, lembrada, enaltecida e, por que não, mil vezes ampliada. O risco de não fazer isso seria a sua anulação.

A terceira ‘dama’ vem desse caminho, que não se encerra por aí. Conhecer uma pessoa pode, deliciosamente, levar toda uma vida. Ela continua linda, com toda sua sensualidade e despertando todo o desejo, mas é muito mais que isso. É uma mulher que contém todo o universo. E devemos olhar para ela e dizer, como aprendi em um texto ontem à noite: ‘Eu Vejo Você!’

E a música do título? Bem, assim ela diz:

‘You’re Once, Twice, Three Times a Lady…
And I Love You’

A tradução fica por conta de você.


domingo, 10 de maio de 2020

O Que Sobraria de Você Para Mim e de Mim Para Você?


O relacionamento de entretenimento é um dos mais usuais na sociedade brasileira. É comum alguns estrangeiros não entenderem  porque é assim que funciona no Brasil. As pessoas não param, não pisam no freio hora nenhuma. São festas, restaurantes, casas de amigos, cinemas, bares, botecos, viagens, shows, eventos que se sucedem em um estresse interminável, gerando moléstias físicas e psicológicas nas pessoas.

Não que essas coisas sejam por si só ruins. Longe disso. Gosto de todas, mas pausas para olhar nos olhos dos seres que amamos são necessárias.

Bem, no ano de 2006 estávamos no meio da ‘Guerra ao Terror’, desencadeada pelos Estados Unidos após terem sido atacados pela organização fundamentalista islâmica al-Qaeda em 2001. Os EUA haviam invadido o Afeganistão, em 2001, e o Iraque, em 2003. Ambos ainda estavam ocupados pelas tropas americanas.

E, no dia 16 de dezembro daquele ano, na companhia de meu irmão, Alexandre, de meu amigo de várias jornadas musicais, Júlio, e de dois outros músicos, eu subi a um palco muitos anos após minha última apresentação.

Voltara à música por prescrição médica. ‘Você está estourando!’, me havia dito um amigo cardiologista em 2002. ‘Você não tem nada, só uma leve hipertensão. Mas, caso não retorne à música, vai adoecer de verdade!’

O sonho de tocar novamente, muito puro em meu coração, nada tinha (e continua não tendo) a ver com conquistar mulheres, usar drogas, beber até cair, passar noites em claro ou esquecer problemas do dia a dia. Eu simplesmente amava (e amo) tocar. E, portanto, seguindo orientação médica, comprei equipamentos complementares aos que eu já tinha e formei (com os músicos acima) uma banda semi amadora.

Na época do dito show de retorno, eu estava em um relacionamento ‘amoroso’ que ia de ruim a péssimo e me encontrava enfraquecido pela energia que ele demandava. Diria que eu estava ‘na capa’. Mas, na hora da apresentação, apertei o cinto da calça, subi ao palco e liguei os equipamentos. Era um show de rock e muito dependia de mim, pois fazia bases e solos, cantava algumas partes e, pela minha formação em música erudita, também era o principal responsável pela direção musical. Felizmente pensei comigo mesmo: ‘Cara, você está fazendo o que sabe e que ama! Confie em si mesmo!’.

Tudo deu certo na apresentação, o que gerou em mim uma energia a mais para tentar melhorar o tal relacionamento acima citado, o amoroso, se assim posso chamá-lo. O objetivo era evitar a outra opção, que seria buscar a porta de saída.

Bem, pouco tempo após o citado show, não sei bem quando, eu me revoltei (de forma educada, é claro) com a situação de excesso de entretenimento. No meio de uma agenda lotada que me foi apresentada atabalhoadamente, eu disse à minha então namorada: ‘Caso os Estados Unidos nos invadissem agora e tivéssemos que ficar confinados em casa, não mais haveria festas, restaurantes, casas de amigos, cinemas, bares, botecos, viagens, shows e eventos mil!’. E fiz a fatídica pergunta, tema desse texto: ‘O que sobraria de você para mim e de mim para você?’

Aprendi com a psicologia zen budista que devemos jogar luz nos problemas, como uma lanterna forte que afasta uma fera. A moça levou um susto. Não esperava por aquela. Ficou muda, pálida.

O relacionamento durou pouco mais que aquilo. E eu só a vi uma vez depois de encerrado. Ela me reconheceu. Eu, não. Não sobrara nada para mim. Eu havia dado meu amor, mas o desgaste sofrido fora avassalador.

Pois bem, 13 anos se passaram e aqui estamos nós, os moradores humanos desse planeta, já muito explorado, vivendo em cidades poluídas, encavalando diversões (pouco tempo atrás), consumindo de forma exagerada (ainda) e... diante de um confinamento forçado.

Pois bem, olhe para seu amor, seu amigo, sua amiga, seu irmão, sua irmã, enfim, as pessoas que são próximas a você, e pergunte baixinho, para si mesmo; ‘o que sobrou dele (a) para mim e de mim para ele (a)?’.

Pergunte antes (e depois também) que tudo volte ao normal, sempre longe do contexto do entretenimento.

E, o que eu gostaria de fazer após passar a pandemia, ou pelo menos após uma suavização dela?

Claro que voltar ao contato mais próximo com meu irmão e amigos, retomar as atividades profissionais presenciais e quando der, aos shows. Também, no tempo certo, porque não voltar às festas, casas de amigos, viagens, e aos cinemas, restaurantes, botecos, bares, shows e eventos. Tudo na medida certa não machuca.

Especialmente quero visitar um grande amigo, Duarte, em sua casa, para um encontro muitas vezes adiado, quando beberemos cerveja (eu quase não bebo, mas vou beber!), assistiremos a uns DVDs e vamos rir muito! Bobagens de brothers! A famosa Brodagem!

E sobre o coração de leão? Dizem que ele é puro. Faço o possível para que o meu seja. Tem a haver com a capacidade de dominar o ego, também forte em um leonino.

Escreveu Mário Quintana que ‘O Segredo é não correr atrás das borboletas... é cuidar do jardim para que elas venham até você.’

Estou fazendo o possível para cuidar do meu jardim. É um trabalho difícil, mas compensador. Com o tempo você conhece as folhas, as plantinhas e os insetos.

Gostaria de convidar a mais bela flor para visitar o meu jardim. Não sei se virá. Parte de mim tem coragem para acreditar que sim. Mas parte de mim não sabe sobre como essas coisas funcionam aqui, pois na outra dimensão tudo é mais simples. Há pessoas que já sofreram muito, pois um coração puro está sujeito a isso. É um risco que corremos.

Caso ela venha, vou pedir que me dê suas mãos e feche seus olhos. E eu lhe direi: ‘Prepare-se para nunca mais sofrer por amor!’