O
confinamento, ou, pelo menos, a aproximação não imaginada dos casais antes separados
pela vida agitada do dia a dia, leva a uma questão muito importante: O que
realmente as pessoas conhecem do seu companheiro ou da sua companheira? Ou
seja, até que ponto os relacionamentos caminharam com ou sem o conhecimento
mútuo?
Quando
meditamos, principalmente segundo a prática zen budista, ‘buscamos’ esvaziar a
mente. Não é uma tarefa fácil, exige prática, desapego, abandono de objetivos.
Eu costumo dizer que a meditação, dessa maneira, é de certa forma perigosa caso
o praticante não esteja emocionalmente equilibrado. Curiosamente, você tem que
ter algum ‘ego’ para que possa controlá-lo, mas sem o risco de se anular. É um
pouco paradoxal e isso é difícil de explicar pela linguagem. Porém, darei um
exemplo.
Sou
professor de idiomas, músico e escritor. Além da necessária prática e estudo
constantes, para mim não é muito difícil entender que tenho essas atividades,
pois elas são da minha natureza, seria bobagem questioná-las. Faço por dom e
vocação.
Após
algum tempo meditando, não só necessariamente na posição sentada tradicional,
mas nas atividades do dia a dia, como lavar pratos e jardinagem, comecei a
entender que eu era muito mais que um professor, músico e escritor. Eu era a
água que bebia, que vinha do filtro de barro que a continha, as pessoas que
haviam construído o sistema de tubulação, desde a captação até a torneira de
minha casa. Eu era o sol, pois sem ele não podia viver, quem poderia? Também
era todos os alimentos que ingeria e quem os produzia, os programas de
televisão e os filmes que assistia, os livros cujos ensinamentos absorvia. Era meus
amigos e professores e a biológica continuação de meus pais, bem como de todos
meus antepassados. Em suma, eu era tudo que achava que eu não era antes. O
não-eu. Era (e sou) feito e continuado por elementos externos a mim mesmo.
Aí
estava (e está) o perigo. Uma pessoa que chegar nesse ponto pode perder a sua
identidade. Acompanhei, em sala de meditação, por exemplo, uma professora de
inglês que abandonou sua profissão e caminhava para se tornar monja. Bem, isso
não é uma coisa ruim. Mas tudo depende de ser natural. Conversando com ela,
notei, no processo, uma perigosa perda de identidade. Ela, na verdade, se tornara
somente uma não-ela.
Mas,
qual seria o caminho mais natural a seguir?
Ao
percorrer esse trajeto, você pode chegar onde sempre esteve, mas não sabia, na
‘terceira’ pessoa. A primeira é aquela que crê somente na sua individualidade,
focada no seu pequeno mundinho do ‘eu primeiro’. A ‘segunda’ é aquela que
enxerga um mundo muito mais além, mas somente externo ao seu ser. A ‘terceira’
é a mescla das duas primeiras. Você entende sua individualidade, sabe dos seus
afazeres naturais, mas compreende também que está conectado com todas as
coisas, é responsável pela preservação de toda e qualquer espécie e não deve
fazer uso de nada além da sua própria necessidade, pois em cada célula de seu
corpo está presente todo o universo.
O
que toda essa explanação tem a ver com o olhar profundo para sua namorada,
namorado, esposa ou marido?
Do
meu ponto de vista, posso me encantar com a beleza de uma mulher à primeira
vista, seja por um rosto bonito, por um corpo sensual e/ou mesmo por outros
detalhes, como a inteligência. De acordo com a ciência, isso ocorre por
substâncias químicas que causam o desejo pelo outro ser. Mas saber disso pouco
ajuda. O importante mencionar é que algumas pessoas ficam tão apaixonadas pela
imagem de outra que isso pode se tornar doentio. Se for recíproco, é comum
gerar um casamento relâmpago. Ou seja, um sabe rigorosamente nada do outro, mas
casa prometendo amor eterno. Acredito que separações de relacionamentos assim
consumados devem ser o mais comum.
A
primeira ‘dama’ é exatamente essa, uma imagem. Real, é claro, mas que é
absolutamente superficial, pois não se conhece profundamente como é a pessoa.
Para
se conhecer a segunda ‘dama’, a primeira tem que ser ‘completada’ de alguma forma
nesse momento. Essa fase é muito importante. Há que se conhecer, com todo o
coração e alma, a trajetória da pessoa, seus dons e virtudes, suas origens, sua
família, suas lutas e conquistas, suas dores e alegrias. Se ela tem uma
religião, por exemplo, é importante conhecer e, porque não, se envolver com a
mensagem e com a comunidade. Caso ela venha de uma cultura diferente, como é
bom se interessar por suas tradições e história. Caso você goste de praia e ela
do campo, agradável é procurar se interessar pelo campo também, sem deixar a
praia de lado.
É
essencial escutar. Às vezes a outra pessoa precisa esvaziar a mente, necessita
contar sobre sua vida e suas experiências. Se ela encontra alguém que busca
amá-la e esteja disposto a ouvi-la e ela nele confia, precisa falar. Quanto
mais o ‘olhar’ e o ‘ouvir’ profundos estejam presentes, mais conectados ficam
os seres humanos. Também por isso somos diferenciados dos outros animais.
Mas
atenção: A beleza, que inicialmente pode ter sido motivo de atração, jamais
deve ser abandonada. Ela deve ser protegida em um local muito seguro, sempre presente,
lembrada, enaltecida e, por que não, mil vezes ampliada. O risco de não
fazer isso seria a sua anulação.
A
terceira ‘dama’ vem desse caminho, que não se encerra por aí. Conhecer uma
pessoa pode, deliciosamente, levar toda uma vida. Ela continua linda, com toda
sua sensualidade e despertando todo o desejo, mas é muito mais que isso. É uma
mulher que contém todo o universo. E devemos olhar para ela e dizer, como
aprendi em um texto ontem à noite: ‘Eu Vejo Você!’
E
a música do título? Bem, assim ela diz:
‘You’re Once,
Twice, Three Times a Lady…
And I Love You’
A
tradução fica por conta de você.