Agradeço-lhes pela leitura de minhas palavras em 2016. Apesar de sempre fazer uma viagem ao passado, todos textos desta página estão ligados com o momento presente, pois este é o único que verdadeiramente existe. Um passado mítico e perfeito é irreal. O futuro, desconhecemos.
Mas, é claro, desejo a todos que 2017 seja um ano repleto de muita saúde, paz e prosperidade!
Abs,
Ernesto Abreu Valle
sábado, 31 de dezembro de 2016
domingo, 11 de dezembro de 2016
Ferreira Gullar, minha singela homenagem.
Sempre me protegendo do noticiário agressivo e repetitivo, que é ávido por telespectadores zumbis, não ligo muito a televisão
para assistir aos telejornais. Mas gosto de saber das notícias. Sobre
isso escrevi no meu texto 'Notícias Amenas' alguns meses atrás.
No domingo passado, no princípio da tarde, procurando saber do andamento das manifestações contra Calheiros, Congresso e outros, recebi pela televisão a triste notícia do falecimento de Ferreira Gullar.
Pouco li sobre isso nas redes sociais. A preocupação da maioria de seus participantes é sempre uma informação rasa, selfies desnecessários, funcionários públicos se mostrando em sua segunda ou terceira viagem internacional do ano, com o dinheiro nosso, pouco trabalho e sem medo de uma reação popular contra isso. Brigas intermináveis entre radicais de 'esquerda' e 'direita', com demonstrações de pouca inteligência, rancor, desconsideração para com os mais necessitados e valorização de ideologias furadas e de pouca prática.
Morria Ferreira Gullar. Falar de sua obra é tarefa difícil. De tão honesta, profunda e bela, as palavras me faltam. O discernimento que o poeta, tradutor, cronista, crítico de arte, artista plástico, dentre outras atividades, possuía era imbatível. Sua fala e escrita não eram dualistas, o que me fazia sentir cada vez mais atraído por suas opiniões. Tanta sabedoria parecia muita dentro de um só ser.
A dita 'esquerda' se sentia traída por ele, que já não se dizia mais marxista, pois, quando morou na URSS, se impressionou com a falta de iniciativa que o regime gerava nas pessoas, e era crítico dos governos do PT. A chamada 'direita' não se encantava com ele, pois Gullar continuava com posição firme contra o liberalismo econômico, criticando com firmeza sua ação devastadora quando não é controlado pelo estado.
Então, em um país de radicais, as redes sociais não se emocionaram com a morte de Gullar.
Mas aqui vai minha homenagem. Pessoa íntegra, honesta para consigo mesma e para com todos nós, não apegada a bens materiais. Rejeitou a tal 'bolsa ditadura' com veemência, dizendo que, 'como já era bem grandinho, sabia o que estava fazendo' quando lutou contra a ditadura militar, de forma pacífica, mas sofrendo da mesma forma que os que lutaram com armas. Era o verdadeiro socialista, pois sua gentileza o levou a, por exemplo, comprar um apartamento para sua empregada com parte do dinheiro de um prêmio literário.
Alto, magro, cabelos longos e sempre indignado com a dura realidade dos mais pobres em nossa sociedade. Gullar está entre as pessoas mais inteligentes que já escutei. Infelizmente não o conheci pessoalmente. Não teria sido só para uma foto. Seria para dizer 'Muito Obrigado!'.
Editei o vídeo em anexo, onde ele explica, com sua capacidade ímpar, o duelo dualista entre capitalismo selvagem e socialismo autoritário e sua fusão na China moderna.
Foi para além do mar, mas nos deixou de presente a sua infinita capacidade de sonhar!
No domingo passado, no princípio da tarde, procurando saber do andamento das manifestações contra Calheiros, Congresso e outros, recebi pela televisão a triste notícia do falecimento de Ferreira Gullar.
Pouco li sobre isso nas redes sociais. A preocupação da maioria de seus participantes é sempre uma informação rasa, selfies desnecessários, funcionários públicos se mostrando em sua segunda ou terceira viagem internacional do ano, com o dinheiro nosso, pouco trabalho e sem medo de uma reação popular contra isso. Brigas intermináveis entre radicais de 'esquerda' e 'direita', com demonstrações de pouca inteligência, rancor, desconsideração para com os mais necessitados e valorização de ideologias furadas e de pouca prática.
Morria Ferreira Gullar. Falar de sua obra é tarefa difícil. De tão honesta, profunda e bela, as palavras me faltam. O discernimento que o poeta, tradutor, cronista, crítico de arte, artista plástico, dentre outras atividades, possuía era imbatível. Sua fala e escrita não eram dualistas, o que me fazia sentir cada vez mais atraído por suas opiniões. Tanta sabedoria parecia muita dentro de um só ser.
A dita 'esquerda' se sentia traída por ele, que já não se dizia mais marxista, pois, quando morou na URSS, se impressionou com a falta de iniciativa que o regime gerava nas pessoas, e era crítico dos governos do PT. A chamada 'direita' não se encantava com ele, pois Gullar continuava com posição firme contra o liberalismo econômico, criticando com firmeza sua ação devastadora quando não é controlado pelo estado.
Então, em um país de radicais, as redes sociais não se emocionaram com a morte de Gullar.
Mas aqui vai minha homenagem. Pessoa íntegra, honesta para consigo mesma e para com todos nós, não apegada a bens materiais. Rejeitou a tal 'bolsa ditadura' com veemência, dizendo que, 'como já era bem grandinho, sabia o que estava fazendo' quando lutou contra a ditadura militar, de forma pacífica, mas sofrendo da mesma forma que os que lutaram com armas. Era o verdadeiro socialista, pois sua gentileza o levou a, por exemplo, comprar um apartamento para sua empregada com parte do dinheiro de um prêmio literário.
Alto, magro, cabelos longos e sempre indignado com a dura realidade dos mais pobres em nossa sociedade. Gullar está entre as pessoas mais inteligentes que já escutei. Infelizmente não o conheci pessoalmente. Não teria sido só para uma foto. Seria para dizer 'Muito Obrigado!'.
Editei o vídeo em anexo, onde ele explica, com sua capacidade ímpar, o duelo dualista entre capitalismo selvagem e socialismo autoritário e sua fusão na China moderna.
Foi para além do mar, mas nos deixou de presente a sua infinita capacidade de sonhar!
quarta-feira, 2 de novembro de 2016
Deep Purple & George Harrison
1984. Após 8 anos sem
nenhuma atividade, lá estava, de volta à ativa, o Deep Purple, uma das
maiores referências em música, seja ela qual for, pois tem em seu
repertório rock, blues, erudito, jazz, hard rock, dentre outras facetas
dessa arte.
Em conheci a banda, que é de 1968, em um período em que ela não existia mais, por volta do final dos anos 70 e princípio dos anos 80, quando ainda criança. E, na minha adolescência, receber esse presente, foi algo mágico, auxiliado por alguns milhões de dólares que foram injetados nesse retorno, é claro.
Mas gostaria de me concentrar no dia 13 de dezembro de 1984. Algo raro, sob vários aspectos, aconteceu na, para mim, longínqua Austrália. George Harrison, que em muito poucas oportunidades se apresentou ao vivo, após os Beatles decidirem não tocar mais (apenas gravar discos), e mesmo em sua carreira solo (após o término dos Fab 4), se juntou ao Deep Purple para tocarem o clássico Lucille, do tresloucado Little Richard, um dos criadores do Rock.
Foi também uma das poucas oportunidades, que me recordo, em que músicos de ponta das duas primeiras gerações da 'British Invasion'* estiveram juntos em um palco. A outra foi nos shows de Paul McCartney no Cavern Club, após o disco 'Run Devil Run'. Talvez porque, em ambos os casos, os músicos da Segunda 'Invasão' já convivessem, principalmente em estúdio, com os da Primeira, durante os anos 60.
Uma alma iluminada registrou esse encontro em vídeo, possivelmente dos bastidores. Obrigado à ela!
*British Invasion: 'Invasão' de grupos ingleses de rock no mercado americano de música, durante os anos 60. Beatles, Rolling Stones, The Who e Moody Blues são os grandes expoentes desta. Eu considero mais duas bem claras 'Bristish Invasions': a segunda, durante os anos 70, com grupos de Hard Rock e Rock Progressivo, notadamente Deep Purple, Black Sabbath, Led Zeppelin, Uriah Heep, Nazareth, Pink Floyd, Yes, Genesis e ELP, citando os 8 mais famosos; e a terceira, durante os anos 80, tendo os grupos de Heavy Metal Iron Maiden, Judas Priest, Def Leppard e os Scorpions (apesarem de serem alemães, pegaram carona no jeito inglês de fazer rock) como seus maiores expoentes.
Em conheci a banda, que é de 1968, em um período em que ela não existia mais, por volta do final dos anos 70 e princípio dos anos 80, quando ainda criança. E, na minha adolescência, receber esse presente, foi algo mágico, auxiliado por alguns milhões de dólares que foram injetados nesse retorno, é claro.
Mas gostaria de me concentrar no dia 13 de dezembro de 1984. Algo raro, sob vários aspectos, aconteceu na, para mim, longínqua Austrália. George Harrison, que em muito poucas oportunidades se apresentou ao vivo, após os Beatles decidirem não tocar mais (apenas gravar discos), e mesmo em sua carreira solo (após o término dos Fab 4), se juntou ao Deep Purple para tocarem o clássico Lucille, do tresloucado Little Richard, um dos criadores do Rock.
Foi também uma das poucas oportunidades, que me recordo, em que músicos de ponta das duas primeiras gerações da 'British Invasion'* estiveram juntos em um palco. A outra foi nos shows de Paul McCartney no Cavern Club, após o disco 'Run Devil Run'. Talvez porque, em ambos os casos, os músicos da Segunda 'Invasão' já convivessem, principalmente em estúdio, com os da Primeira, durante os anos 60.
Uma alma iluminada registrou esse encontro em vídeo, possivelmente dos bastidores. Obrigado à ela!
*British Invasion: 'Invasão' de grupos ingleses de rock no mercado americano de música, durante os anos 60. Beatles, Rolling Stones, The Who e Moody Blues são os grandes expoentes desta. Eu considero mais duas bem claras 'Bristish Invasions': a segunda, durante os anos 70, com grupos de Hard Rock e Rock Progressivo, notadamente Deep Purple, Black Sabbath, Led Zeppelin, Uriah Heep, Nazareth, Pink Floyd, Yes, Genesis e ELP, citando os 8 mais famosos; e a terceira, durante os anos 80, tendo os grupos de Heavy Metal Iron Maiden, Judas Priest, Def Leppard e os Scorpions (apesarem de serem alemães, pegaram carona no jeito inglês de fazer rock) como seus maiores expoentes.
terça-feira, 11 de outubro de 2016
Eu Quero Sair Daqui e Tocar Minha Guitarra!
A primeira foto foi tirada pelo meu pai no longínquo 19...
Mas vou caminhar um pouco no tempo.
Mas vou caminhar um pouco no tempo.
Quando eu tinha uns 10, 12 anos, recebi o resultado do ano escolar.
Mesmo com muito sufoco, eu fui aprovado. Estudar era a única coisa que
fazia, e, mesmo sendo um esforço, para minha mãe e meu pai, manter meu
irmão e eu em bons colégios, não retribuíamos seu sacrifício. Sempre
passei de ano, mas só comecei a dar o real valor após os 15 anos.
Bem, meu pai, depois de sair comigo e fazer a matrícula do ano seguinte, estacionou em um supermercado. E eu lhe disse alguma coisa como: 'Agora eu vou ficar uns 2 meses sem me preocupar com nada'. Ele, um mestre, nada respondeu, nem olhou para mim. Ali tive uma das minhas muitas 'pequenas grandes' iluminações. Apesar de nunca ter sido rico (longe disso), vivo em um país onde a maioria das pessoas nunca chegaram perto das mesmas oportunidades que tive. Consegui agradecê-lo em vida muitas vezes. E à minha mãe sempre agradeço.
Em vários momentos, quando sentados na biblioteca centenária onde leciono, meu pai me disse: 'Eu lhes deixarei esta casa e a instrução. A casa vocês podem vender e, com o tempo, perder o dinheiro. Mas a instrução, jamais perderão. Ninguém pode tirá-la de vocês!' E até hoje, mesmo em um país em que a cultura é desvalorizada, a instrução (e a educação que minha mãe e ele me deram) já me tiraram de difíceis situações. Também aprendi com ele a ser autodidata. E isso também sempre me ajudou.
Nesta semana da criança, agradeço muito a meus pais! Agradeço também por me transmitirem a alma musical. Mas sobre isso falarei em outro dia.
O bebê que já mexia seus dedos, louco pela música, é hoje uma pessoa de muitas atividades. Uma delas, guitarrista de uma banda de Rock. Há 28 anos, desde que comecei a trabalhar, as responsabilidades só aumentam. As cobranças são muitas. Mas o medo não habita em mim, pois sou um ser biológico de zilhões de anos e já passei por bons bocados e sobrevivi a todos eles!
A semelhança com o bebê: os cabelos, que voltaram a ser louros!
Bem, felicidades aos meus amigos que conseguem manter a criança dentro de si, aos seus filhos e aos amiguinhos e amiguinhas que ainda são crianças!
P.S. A segunda foto é de Jeová Guimarães! Felicidades para você e sua família, meu caro, e obrigado pela foto!
Bem, meu pai, depois de sair comigo e fazer a matrícula do ano seguinte, estacionou em um supermercado. E eu lhe disse alguma coisa como: 'Agora eu vou ficar uns 2 meses sem me preocupar com nada'. Ele, um mestre, nada respondeu, nem olhou para mim. Ali tive uma das minhas muitas 'pequenas grandes' iluminações. Apesar de nunca ter sido rico (longe disso), vivo em um país onde a maioria das pessoas nunca chegaram perto das mesmas oportunidades que tive. Consegui agradecê-lo em vida muitas vezes. E à minha mãe sempre agradeço.
Em vários momentos, quando sentados na biblioteca centenária onde leciono, meu pai me disse: 'Eu lhes deixarei esta casa e a instrução. A casa vocês podem vender e, com o tempo, perder o dinheiro. Mas a instrução, jamais perderão. Ninguém pode tirá-la de vocês!' E até hoje, mesmo em um país em que a cultura é desvalorizada, a instrução (e a educação que minha mãe e ele me deram) já me tiraram de difíceis situações. Também aprendi com ele a ser autodidata. E isso também sempre me ajudou.
Nesta semana da criança, agradeço muito a meus pais! Agradeço também por me transmitirem a alma musical. Mas sobre isso falarei em outro dia.
O bebê que já mexia seus dedos, louco pela música, é hoje uma pessoa de muitas atividades. Uma delas, guitarrista de uma banda de Rock. Há 28 anos, desde que comecei a trabalhar, as responsabilidades só aumentam. As cobranças são muitas. Mas o medo não habita em mim, pois sou um ser biológico de zilhões de anos e já passei por bons bocados e sobrevivi a todos eles!
A semelhança com o bebê: os cabelos, que voltaram a ser louros!
Bem, felicidades aos meus amigos que conseguem manter a criança dentro de si, aos seus filhos e aos amiguinhos e amiguinhas que ainda são crianças!
P.S. A segunda foto é de Jeová Guimarães! Felicidades para você e sua família, meu caro, e obrigado pela foto!
terça-feira, 4 de outubro de 2016
O Menino de Azul
Vejo o quadro 'O Menino de Azul', pintado pelo inglês Thomas Gainsborough (1727-1788), todos os dias. Ou melhor, uma reprodução dele, que fica na sala de jantar de minha casa. É curioso o efeito hipnótico do quadro.
Para descrever como ele foi criado, peço ajuda ao meu xará, o escritor austríaco Ernst Josef Gombrich (1909 - 2001), autor do maravilhoso livro 'A História da Arte':
"É fascinante observar um artista esforçando-se por alcançar o
equilíbrio adequado. Mas, se lhe perguntássemos porque fez isso e mudou
aquilo, talvez ele fosse incapaz de nos explicar. O artista não obedece a
regras fixas, ele simplesmente intui o caminho a seguir. É verdade que
alguns artistas ou críticos, em certos períodos, tentaram formular leis
para a sua arte; mas sempre se constatou que artistas medíocres não
conseguiam nada quando tentavam aplicar essas leis, ao passo que os
grandes artistas podiam desprezá-las e, ainda assim, conseguir uma nova
espécie de harmonia em que ninguém pensara antes. Quando o grande pintor
inglês Sir Joshua Reynolds explicou a seus alunos da Royal Academy que o
azul não podia ser inserido no primeiro plano de uma pintura, mas
reservado para fundos longínquos, para as colinas a se desvanecerem
gradualmente no horizonte, seu rival Gainsborough - segundo reza a
história - resolveu provar que tais regras acadêmicas eram usualmente
absurdas. Pintou então o famoso 'O Menino de Azul', cujo traje azul, em
primeiro plano e no centro do quadro, se destaca triunfantemente contra o
cálido castanho do fundo."
Há uma frase muito importante, também de Gombrich, do mesmo livro, que completa sua explicação, podendo ser também transportada para nossa vida pessoal, nos ajudando a romper barreiras, abandonar verdades absolutas e nos oferecer a liberdade de ação:
"Todos nós alimentamos crenças que consideramos tão axiomáticas quantos os "primitivos" consideram as deles - usualmente a um ponto tal que delas nem nos conscientizamos, a menos que deparemos com gente que as questione."
Infelizmente, muitas vezes, a mente já está demasiadamente dominada e corrompida e é tarde demais.
Mas em outras tantas, felizmente, a recuperação é possível. E deve ser buscada para uma vida mais saudável.
Muita arte e inspiração para suas vidas!
Ernesto Abreu Valle
Há uma frase muito importante, também de Gombrich, do mesmo livro, que completa sua explicação, podendo ser também transportada para nossa vida pessoal, nos ajudando a romper barreiras, abandonar verdades absolutas e nos oferecer a liberdade de ação:
"Todos nós alimentamos crenças que consideramos tão axiomáticas quantos os "primitivos" consideram as deles - usualmente a um ponto tal que delas nem nos conscientizamos, a menos que deparemos com gente que as questione."
Infelizmente, muitas vezes, a mente já está demasiadamente dominada e corrompida e é tarde demais.
Mas em outras tantas, felizmente, a recuperação é possível. E deve ser buscada para uma vida mais saudável.
Muita arte e inspiração para suas vidas!
Ernesto Abreu Valle
domingo, 25 de setembro de 2016
Domando Os 'Dois' Dragões Dentro de Nós
Caros amigos,
Uma vez um conhecido me disse que dentro de nós há dois dragões, um mau e um bom. E ele continuou a 'estória', dizendo que sobrevive o que recebe mais alimento.
Porém, creio ser esta uma visão muito pobre da realidade como-ela-é, na prática, no nosso dia-a-dia.
Em 6 de Outubro de 1966 foi ao ar, pela primeira vez, o 5º episódio da primeira temporada da série Jornada nas Estrelas, com o título de 'O Inimigo Interior'. Por um defeito no aparelho de teletransporte, duas versões do personagem capitão Kirk foram transportadas de um planeta para a nave. Uma delas era totalmente boa e a outra era totalmente má. Para melhorar o episódio, o transporte da segunda versão do capitão foi automático, sem testemunhas.
Para encurtar a 'estória' e não cansá-los muito, no final das contas o 'mau' apareceu, em virtude de seu comportamento excessivamente agressivo e descontrolado. Mas o 'bom' também tinha problemas, pois não conseguia tomar decisões, era muito fraco.
Então, digo-lhes que somente com o equilíbrio, dentro de nós, do que chamamos de 'bom' e 'mau', é possível o controle de nossa mente, escapando do mundo das ilusões e libertando-a do devastador dualismo.
Em outubro de 2005 tive a oportunidade de assistir à palestra de Saikawa Roshi, Superior Geral da Escola Soto Zen Budista para a América do Sul. Fui solicitado a transcrever o áudio da palestra, para oferecê-la a todos os praticantes desta tradição budista no Brasil.
O texto tem algumas citações da religião budista, principalmente quando lembra passagens da vida do Buda histórico. Mas o importante mesmo são os ensinamentos que estão ali, de uma forma simples e profunda.
E ao se aproximar a data da palestra, realizada 11 anos atrás, gostaria de publicá-la aqui.
Gostaria também de agradecer ao meu amigo Willer Siqueira que, na época, leu o texto traduzido e acrescentou alguns comentários importantes para a melhor compreensão do mesmo. Seus comentários são precedidos de seu nome.
Que tenham uma boa semana!
Ernesto
PALESTRA
Como conhecemos, o Budismo começou com Shakyamuni Budha, a cerca de 2.500 anos.
Quando ele começou a praticar, para solucionar o problema, ele começou a solucioná-lo na mente.
A maioria de nós, para solucionar os problemas do dia a dia, pensa, usa o cérebro e soluciona os problemas. Shakyamuni Budha também tentou solucionar os problemas mentalmente.
Mas o melhor caminho para solucionar o problema do ‘eu’ não é solucioná-lo mentalmente. É claro que a forma correta de solucionar problemas de ciência, matemática, filosofia, é usando a atividade mental. Mas sobre o problema do ‘eu’ esta não é forma correta Ele não percebeu isso. E levou seis anos, mesmo para Shakyamuni Budha.
Atividade mental precisa de linguagem e a linguagem contém palavras e palavras representam dualismo. As palavras precisam de: isto ou aquilo, direita ou esquerda, para cima ou para baixo, do lado de dentro ou do lado de fora, eu ou os outros, parar ou ir, sujeito ou objeto. Então as pessoas não duvidam a respeito da linguagem, pois quando uma criança nasce e cresce, o que esta criança aprende é este dualismo. Então, o que os seres humanos vêm fazendo por milhares de anos é transmitir este dualismo para a criança. Quando a criança se torna adulta, ela nunca duvidará do que escuta. Mas, esta idéia, ‘direita e esquerda’, ‘para cima e para baixo’, ‘bom e ruim’, é ilusão. É usada como uma ferramenta pela atividade mental. Por exemplo, se eu disser que este é o ‘lado direito’, este é o ‘lado esquerdo’ para vocês. Se eu disser que ‘para cima’ está nesta direção (apontando do dedo para cima), todos neste quarto irão concordar que ‘para cima’ está nesta direção. Mas esta direção é ‘para baixo’ para os japoneses que vivem do outro lado do mundo. E todos os seres humanos concordarão que o leste é para este lado e, de um outro lugar, leste é para a outra direção.
[Neste momento, o Reverendo Saikawa se levanta e explica o dualismo no quadro, desenhando um globo.] E diz:
A Terra, para os brasileiros, está nesta direção. Ao mesmo tempo, para os japoneses, está na outra direção.
[Depois ele desenha vária setas saindo de várias partes do globo em direção ao espaço.] Ele diz:
Há somente ‘para cima’, não há para baixo. Então, mesmo ‘para cima’ não existe. ‘Para cima’ precisa de ‘para baixo’. Ideias opostas. Para ‘para cima’, o ‘para baixo’ é necessário. Para ‘a direita’, ‘a esquerda’ é necessária. Para ‘o bem’, ‘o mal’ é necessário. (Ao tomar água) Se eu disser que esta água é fria, dentro de mim ela está quente. ‘O bem’ e o ‘O mal’ também são o mesmo. As coisas que são boas para o presidente Bush são ruins para (Saddam) Hussein. São somente ideias e a língua é condicionante. Ilusoriamente criada no cérebro. Então, originalmente, nada existe, não há ‘para cima / para baixo’, ‘direita / esquerda’, ‘bem / mal’. Mas as pessoas pensarão: ‘do lado de dentro’ e ‘do lado de fora’ existem. O ‘eu’ e os outros existem. É muito difícil descobrir. Isto também é ilusão no cérebro.
Shakyamuni Budha tentou encontrar o verdadeiro ‘eu’ no zazen. Na última vez ele determinou que, até atingir a iluminação, ele não se levantaria. Sob a árvore bodhi, no sétimo dia, ele se tornou um só com a estrela que atingiu seus olhos. Ele, no zazen, se esqueceu até mesmo de que estava lá, ele se esqueceu que estava praticando zazen, totalmente concentrado em si mesmo, ele se aprofundou cada vez mais e esqueceu-se de si mesmo. No oitavo dia, uma estrela da manhã veio à sua vista, embaixo. E a luz da estrela da manhã atingiu seus olhos. Então ele percebeu a unidade do ‘eu’ e dos outros, ‘sujeito / objeto’, ‘do lado de dentro’ / ‘do lado de fora’.
Nosso corpo, dos pés à cabeça, é feito de olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente. É óbvio que os olhos enxergam coisas, os ouvidos escutam sons, o nariz cheira, a língua sente, o corpo sente se está quente ou frio e a mente pensa [Willer: o sentido é: a mente gera formações mentais].
Shakiamuni Budha alcançou o ponto através dos olhos. Um outro monge, Dogen, alcançou o ponto através dos ouvidos. Um outro monge, através do cheio das flores. Um outro, através do sabor do chá. Eles realmente compreenderam, eles realmente alcançaram a unidade com o ‘sujeito / objeto’.
[Neste momento o Rev. Saikawa bate na mesa com a madeira, e pergunta:] Onde está este som?”. [Bate e pergunta novamente:] Onde está este som? Aqui? [E responde:] Não. Em vocês. Então vocês podem escutar.
[O Rev. Saikawa faz outras perguntas:] Onde está o cheiro deste incenso? Este cheiro está na fumaça do incenso? [E responde:] Não. Em vocês.
O gosto do chá não está no chá. Quente e frio não estão nas coisas que estão aqui. Se você sente calor, está em você. O mesmo acontece com este som [e bate com a madeira na mesa]. É neste mundo de unidade que estamos vivendo. É nesta unidade [e bate novamente com a madeira duas vezes na mesa] que estamos vivendo neste mundo. Sem ‘do lado de dentro / do lado de fora’.
Mas a mente pensa, o ‘eu’ aqui e os outros lá. A língua contém ‘eu, meu, mim, o meu’ [N.T.: Usando a língua inglesa, o Rev. Saikawa utiliza o sujeito, o objeto e duas formas de possessivo, enfatizando o ‘eu’]. E também ‘você, seu, de você’. Então, aquelas pessoas que não duvidam da língua, tem dificuldade de entender a unidade da vida.
A linguagem contém ‘eu, meu, mim, o meu’ e as pessoas dizem: meu corpo. Este é meu corpo. Meu corpo. E se eu expandir a ideia do ‘meu’, eu posso dizer: meu corpo, meu quarto, minha casa, minha cidade, meu país, meu mundo, meu universo. Então todo o universo se torna ‘meu’. Então, se eu reduzir a ideia do ‘meu’, meu corpo, meu cérebro, minha mente e aquilo sentido que eu estou pensando: isto é ‘meu’. Se eu expandir a idéia, todo o universo será ‘meu’ e se eu reduzir a idéia, há somente onda elétrica.
É nesta unidade que estamos vivendo neste mundo. Nós nascemos, neste mundo, nesta unidade. Somente no ponto da unidade é que vivemos neste mundo. Quando eu existo [Saikawa bate novamente com a madeira na mesa], o mundo existe. Quando o mundo existe, eu existo. Mas para aqueles que estão presos à palavra ou à linguagem, é muito difícil de ver o verdadeiro ‘eu’. O verdadeiro ‘eu’ não é uma coisa pequena. E ao mesmo tempo, sem forma.
Retornando à iluminação de Shakyamuni Budha, esta iluminação da unidade é herdada de professor para aluno e o aluno se torna professor e assim este Dharma é continuamente herdado e transmitido por 28 linhagens até Bodhidharma, que é o último patriarca da Índia e o primeiro da China.
Dogen, que era Japonês, era um gênio. É dito que, quando tinha 5 anos de idade, ele já tinha lido os escritos de filosofia chineses. Mesmo tal gênio que estudava Budismo não podia se satisfazer, porque ele tentava resolver o (problema do) ‘eu’ através da linguagem. Então ele teve que ir para a China para buscar o verdadeiro ensinamento. Quando ele estava praticando zazen no zendo, o monge perto dele estava dormindo. Seu professor, Rujing, tirou o chinelo e bateu no ombro do monge que estava dormindo. E disse: não durma!
Por meio daquele som, Dogen se tornou ‘um’ com todo o universo. E ele se levantou e foi à sala do abade, oferecendo incenso, e disse: “meu corpo e minha mente desapareceram’ ou ‘não são mais um peso’ ” [o mestre usa o verbo ‘drop off’, que significa ‘desaparecer’ ou ‘reduzir a quantidade’]. Então ele se tornou ‘um’ com o universo. Então Rujing disse: Está certo se tornar ‘um’ com o universo; mas, antes de sua experiência, você era ‘um’ com todo o universo. Neste sentido, Rujing disse: “Não que a mente e o corpo ‘desapareceram’, mas o corpo e a mente ‘foram retirados’ desde o ‘início menos o princípio’ ” [ou seja, sofreram a ação e não praticaram]. Dogen “diz: corpo e mente ‘desapareceram’”. Rujing disse: “corpo e mente ‘foram retirados’, no sentido oposto. Isto significa: não é se tornar ‘um’ com todo o universo. Se você perceber ou não, desde o princípio menos o início’, ‘um’ com todo o universo”. Dogen disse: “É verdade, é verdade. Sem minha experiência, nós somos ‘um’ com todo o universo”.
Retornando a Shakyamuni Budha, quando ele atingiu a iluminação, ele anunciou quão maravilhoso, quão miraculoso, ele e terra atingirem simultaneamente a iluminação. Isto significa que todo mundo é Budha. Todo mundo é Budha quer dizer que não há delusão, não há iluminação. Delusão e iluminação são ilusão da linguagem, da mesma forma que ‘direita / esquerda’, ‘para cima e para baixo’ são ilusão. Então ele pôde perceber totalmente que somente a atividade mental cria delusão, iluminação, ‘do lado de dentro / do lado de fora’, ‘bem / mal’. Então Shakyamuni Budha se tornou totalmente livre da rede que prendia as pessoas, que significa a linguagem.
Da mesma forma que Shakyamuni Budha, Dogen se tornou livre da linguagem. Então, quando ele retornou ao Japão, seu primeiro anúncio foi semelhante a este: “Eu não pratiquei zazen em muitos dojos. Então quando eu percebi, na casa de Rujing, percebi que o olho está na horizontal e não na vertical. Isto significa, bem aqui e agora (batendo na mesa com a madeira) é o nirvana. E eu voltei com mãos livres [N. T.: vazias], sem nada. Não há Budismo, sem nenhum Budismo.” Porque ele ficou totalmente livre da rede da linguagem. Então, mesmo o Budismo não existe para a iluminação. Esta iluminação nós herdamos de professor (mestre) para aluno (discípulo). Esta percepção nós estamos transmitindo.
Não é muito difícil se eu explicar dessa forma, ‘direita / esquerda’, ‘para cima / para baixo’, ‘bem / mal’, ‘do lado de dentro / do lado de fora’. É ilusão. É uma ferramenta da linguagem. É fácil entender. Mas é difícil, mesmo para estudantes de zen para perceber que o verdadeiro ‘eu’ não está da cabeça aos pés. É muito difícil perceber que a vida e a morte também são uma ilusão da linguagem. Da mesma forma que ‘direita / esquerda’ não existem. Então precisamos praticar. Não compreensão mental. Os filósofos do Budismo transformam as coisas simples em complicadas. Mas o zen as mostra de uma forma direta, bem simples, para realmente ver a idéia de ilusão, de iluminação que estão também no meio mental. Em outras palavras, em todo o universo não existe ilusão, somente na mente humana. Se você realmente perceber isto, você pode salvar a si próprio, através de você mesmo. Então, no Budismo, especialmente no Zen Budismo, o caminho é perceber o verdadeiro ‘eu’ e preservar o ‘eu’.
Quando eu fui a Florianópolis e lá pratiquei zazen com as pessoas, nós conversamos depois no restaurante e eu escutei que a religião no ocidente significa ‘reconectar-se’. Para o mundo japonês, religião é feita de dois caracteres chineses, ‘chiu–kiu’ [N.T.: Ou ‘chiu-kio’. Não sei realmente a forma correta de transcrever os caracteres]. ‘Chiu’ significa realidade. E a realidade significa o verdadeiro ‘eu’. E ‘Kiu’ significa o ensinamento para alcançar o caminho. Então ‘kiu’ não é um ensinamento filosófico. Muito ativo. Forma ativa de alcançar o verdadeiro ‘eu’. Isto é religião para o sentido japonês. Pois o que é a coisa mais importante é se tornar livre de todas as coisas, e desfrutar essa vida. E desfrutar junto com todos.
Então eu vim para este país para apreciar a vida junto com vocês e espalhar este ensinamento.
Muito Obrigado.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Alguma Pergunta. Se eu puder responder.
Pergunta: Tudo tem um oposto: bem/mal etc. Qual é o oposto de Deus?
Rev. Saikawa: Na linguagem, eu não sei o oposto de Deus, mas qual é o oposto de Deus no ocidente?
Intervenção do Público: Inferno. O diabo. No ocidente, o oposto de Deus é o diabo.
Rev. Saikawa: Então Deus precisa do diabo. Da mesma forma que a ‘direita’ precisa da ‘esquerda’ e o ‘bem’ precisa do ‘mal’. Da mesma forma Deus precisa do diabo. Então esta forma de pensar, no dualismo, tenta resolver os problemas no dualismo. Mas o budismo não tenta resolver o problema de forma dualística.
Pergunta: Eu gostaria que ele falasse um pouco mais sobre qual é o conceito de religião para o oriental.
Rev. Saikawa: ‘chiukio’ é religião em japonês. ‘Chiu’ é a origem, ou base, ou raiz. Muito profundo. É o significado do mundo.
Pergunta: Qual é o conceito de realidade?
Rev. Saikawa: O significado de realidade? É como isto...(Após beber água) Isto é realidade. Isto é bom!!. A mente humana é tão inteligente, que compara com as coisas do passado [Willer: o que está acontecendo no presente. Este é o sentido]. Esta é a delusão. Por exemplo, ontem eu estava tão alegre, tão engraçado e hoje eu estou mais retraído. Comparando com a situação de hoje e de ontem. O passado não existe mais. Mesmo o ‘aqui e agora’ (batendo com a madeira na mesa) nós não podemos pegar. Se eu disser: eu ‘escutei’ este som (batendo novamente com a madeira na mesa), ele já se tornou passado. Então esta inteligência é que cria o dualismo, a delusão do ser humano. Compara. Coloca as coisas do passado inseridas no presente na ‘mesma mesa’. Esta é a delusão. O passado não existe mais. O futuro não existe mais. O ‘aqui e agora’ (batendo com a madeira na mesa). Somente o ‘aqui e agora’ existe. Então...(bebendo água novamente)...Isto é bom!! Esta é a realidade. A mais profunda parte do ensinamento.
O Rev. Saikawa se retira por alguns minutos. Após retornar, continua:
Quando eu uso a palavra ilusão, eu a uso na forma dualística de pensar, que é criada na mente. Mas isto...(bebendo água novamente)...não é ilusão. Então, muitas pessoas vivendo somente com forma dualística de pensar, muitas ilusões no cérebro, se tornam muito presas nisto.
Pergunta: O que eu gostaria de saber, é: se você pensa em limão [N.T.: a fruta], quer dizer que não existe o limão?
Rev. Saikawa: A ilusão criando as condições dos corpos. Mas o sistema do corpo do ser humano. Isto também está além do ‘bem / mal’.
Pergunta: Qual é a definição para religião em japonês?
Rev. Saikawa: A origem, a base. Então, qual é a base? A base não está no lado de fora, porque todos os problemas criados nesta vida vêm daqui, não é? [Willer: o Rev. Saikawa aponta para a sua própria cabeça que simboliza a nossa mente, no sentido de - Mente Apenas - um conceito budista muito usual na filosofia do Mahayana]. Então você tem que verdadeiramente ver seu ‘eu’. É a forma de encontrar a solução para a essência, para o significado deste mundo.
É claro que não estamos falando de problemas sociais. Nós também temos que resolver os problemas sociais, o tanto quanto for possível. Mas nós estamos falando dos problemas que nós temos que liberar, ou temos que nos libertar de todos os problemas e dor.
O ato de solucionar problemas sociais não é útil para quem está morrendo.
O ensinamento, mesmo para aqueles que estão morrendo agora, é importante. É a forma de ensinar o verdadeiro ‘eu’ e se liberar dos seus problemas.
Pergunta (Willer): O meu verdadeiro ‘eu’ é igual ao verdadeiro ‘eu’ do senhor?
Rev. Saikawa: Sim. Seu verdadeiro ‘eu’ é o verdadeiro ‘eu’ de todo mundo, como uma bola de cristal espelhada*. Então, muitas centenas de milhares de bolas de cristal espelhadas. O espelho não tem ‘eu’. Não pensa ou escolhe. Não gosta ou desgosta. Então, o que quer que venha, o espelho reflete, sem pensar ou escolher, sem preferência. Quando se vai, vai. Os olhos são um espelho, para se tornar ‘um’ com estas coisas. Sem o ‘eu’. Os ouvidos são o espelho do som (o Rev. Saikawa bate com a madeira na mesa). Tudo que vem se torna ‘um’. Se este som é preferível ou não (batendo com a madeira novamente), eles [os ouvidos] se tornam ‘um’ com ele. O espelho reflete o som. Quando o cheiro vem, se é preferível ou não, o nariz se torna ‘um’ com o cheiro. Não há o ‘eu’ como espelho, refletindo este cheiro. A língua é o espelho para refletir o gosto. Não há o ‘eu’. Sem preferência. O corpo é este espelho, refletindo ‘quente e frio’, ‘áspero e macio’. Sem o ‘eu’, como um espelho. O que quer que venha, se torna um com ele. Mas as pessoas podem pensar que ‘a mente não é um espelho e que deve existir um ‘eu’ na mente’. Mas a mente é também um espelho. A preferência não é criada pela mente. Por exemplo, eu gosto mais de chá do que café. Quando eu era pequeno, quando eu pela primeira vez bebi um bom chá, então eu comecei a preferir o chá. As pessoas que preferem café, talvez se tornam ‘um’ no momento que o examinam [Willer: cheirá-lo, tocá-lo, vê-lo, bebê-lo]. Talvez tenham um namorado ou namorada e quando experimentam o café, em determinado momento, se tornam apreciadores de café. A preferência não vem da ‘essência’ do ‘eu’. Somente ‘condicionamento’.
Há uma história de um bebê que foi criado por lobos. Ele ou ela não podia se tornar um ser humano como nós. A mente também é condicional. Ela se torna ‘um’ com a causa e efeito.
Se o [presidente] Bush pegar a mesma criança e criá-la na América, esta criança vai se tornar uma profunda crente do cristianismo. A mente também é como um espelho. Não há ‘eu’. Para tudo que vier, ela se torna ‘um’ com isto. Então, dos pés à cabeça, todo o corpo é feito de causa e efeito. Isto é chamado dharma. Então, tudo neste mundo é feito com o dharma. Então, todas as coisas, todas as pessoas, é o corpo do dharma. Isto é chamado de Budha. Não há iluminação, não há delusão. Além da delusão e da iluminação. O entendimento, a percepção, o despertar de Shakyamuni Budha, é chamado ‘iluminação’. Então nesta ‘iluminação’ de Shakyamuni Budha, não há ‘iluminação’e não há ‘delusão’ também. Somente o que é.
Eu diria novamente, todas as coisas neste mundo não possuem ‘iluminação’ ou ‘delusão’. Além da ‘iluminação’ ou da ‘delusão’. Somente a atividade mental dos seres humanos que produzem ‘ilusão’ ou ‘iluminação’.
Se eu me referir sobre o que eu falei de uma forma matemática, o ‘zero’ é igual ao ‘infinito’. Mas é muito difícil de entender através da mente. O ‘zero’ é igual ao ‘infinito’ é a mesma coisa que dizer que o ‘preto’ é igual ao ‘branco’. É muito difícil de entender. Impossível de compreender porque a atividade mental precisa de ‘direita / esquerda’, ‘do lado de dentro / do lado de fora’. A atividade mental domina o dualismo. Então o ‘branco’ é ‘preto’, o ‘zero’ é igual ao ‘infinito’. Impossível de ‘agarrar’ com a atividade mental. Então é necessário perceber através da prática.
Quando eu discursei em Porto Alegre, uma pessoa me disse que ele sabia, que ele compreendia tudo o que eu falei. Então eu perguntei a ele: Você está satisfeito com sua vida? E ele respondeu: Não absolutamente. Então a compreensão verbal, ou dharma, não pode atingir o ponto, porque a atividade mental está no dualismo. Então nós precisamos praticar ‘zazen’, para realmente nos tornarmos um com todas as coisas.
Há muitos pontos sobre Dogen Zenji. E há um ponto que diz: “sem o ‘eu’, e sentado aqui, então a chuva cai sobre mim, sobre mim mesmo”. Quando ele estava sentado em ‘zazen’ e havia a chuva, o ponto estava feito. “Isto ‘sou eu mesmo’ ”. [o Reverendo bate com a madeira na mesa três vezes]. Sem ‘delusão’, sem ‘do lado de dentro / do lado de fora’, sem o ‘eu’ e os outros, totalmente ‘um’ com todo o universo.
* [Willer: Esta imagem é uma referência a uma passagem do sutra avatamsaka, onde foi descrito a imagem da Rede de Indra que continha em seus pontos de união – suas malhas – jóias brilhantes que refletiam tudo que estava a sua volta querendo com isso ensinar de forma poética a natureza da interdependência – a infinita variedade de interações e interseções de todas as coisas, pois cada joia contém todas as outras, um importante dharma de Shakiamuni Buda. De acordo com este dharma por exemplo: sempre que toco uma flor, toco no sol ainda que eu não fique queimado. Quanto toco numa flor, toco a nuvem mesmo sem estar voando pelo céu. Quando toco na flor, toco na minha consciência, na sua consciência, e no grande planeta terra ao mesmo tempo. Isso é possível graças a compreensão da inter-existência. Se você realmente toca uma flor em profundidade, você toca o cosmos inteiro. O cosmos não é um nem muitos, quando você toca um toca muitos e quando você toca muitos toca um]
Pergunta: [N.T.: A pergunta foi feita sobre unidade, sobre o passado, porém não está compreensível]
Rev. Saikawa: No budismo, nós oferecemos coisas, não somente aos ancestrais, mas também aos espíritos deste mundo, porque nós realmente vemos a unidade; passado e presente são somente palavras. Então, quando você oferece coisas aos ancestrais, você se torna ‘um’ com os ancestrais. Sem ‘ilusão’, sem ‘do lado de dentro / do lado de fora’.
Por exemplo, na atividade mental, ‘luz’ e ‘trevas’, ou ‘dia’ e ‘noite’ são totalmente diferentes. Totalmente diferentes, como o ‘preto’ e o ‘branco’. Mas ninguém pode fazer um corte claro entre a ‘luz’ e as ‘trevas’, o ‘dia’ e a ‘noite’. Esta é uma coisa da divisão da mente.
O passado e o presente estão também aqui [o Reverendo bate com a madeira na mesa duas vezes].
Pergunta: [A pergunta, também um pouco incompreensível, é sobre o ‘presente’ e o ‘eu’].
Rev. Saikawa: Em português [o Reverendo fala em português], cada momento é novo.
Pergunta: Seria possível falar sobre o sentimento do medo.
Rev. Saikawa: O medo (temor) é a mesma coisa que a ‘sombra’ na mente. Somente a onda da mente. Então quando os estudantes (praticantes) do ‘zen’ sentam em ‘zazen’, tudo o que vier, deixe vir; tudo o que for, deixe ir. Não tente segurar, afastar para longe. Mesmo o (a) ? [N.T.: não compreendi bem o que foi dito / Willer: sensação de prazer / sensação agradável – acredito ser este o sentido], não tente segurá-lo (a). Mesmo aquela memória, não tente afastá-la. Somente seja isto. Este é o caminho para se alcançar realmente o ‘eu’ (Willer: o sentido é: este é o caminho para se atingir, alcançar o verdadeiro eu)
Terminou? Tudo Bem?
Muito Obrigado
[O Rev. Saikawa faz uma prece e, após, diz:] Que suas vidas prossigam.
Uma vez um conhecido me disse que dentro de nós há dois dragões, um mau e um bom. E ele continuou a 'estória', dizendo que sobrevive o que recebe mais alimento.
Porém, creio ser esta uma visão muito pobre da realidade como-ela-é, na prática, no nosso dia-a-dia.
Em 6 de Outubro de 1966 foi ao ar, pela primeira vez, o 5º episódio da primeira temporada da série Jornada nas Estrelas, com o título de 'O Inimigo Interior'. Por um defeito no aparelho de teletransporte, duas versões do personagem capitão Kirk foram transportadas de um planeta para a nave. Uma delas era totalmente boa e a outra era totalmente má. Para melhorar o episódio, o transporte da segunda versão do capitão foi automático, sem testemunhas.
Para encurtar a 'estória' e não cansá-los muito, no final das contas o 'mau' apareceu, em virtude de seu comportamento excessivamente agressivo e descontrolado. Mas o 'bom' também tinha problemas, pois não conseguia tomar decisões, era muito fraco.
Então, digo-lhes que somente com o equilíbrio, dentro de nós, do que chamamos de 'bom' e 'mau', é possível o controle de nossa mente, escapando do mundo das ilusões e libertando-a do devastador dualismo.
Em outubro de 2005 tive a oportunidade de assistir à palestra de Saikawa Roshi, Superior Geral da Escola Soto Zen Budista para a América do Sul. Fui solicitado a transcrever o áudio da palestra, para oferecê-la a todos os praticantes desta tradição budista no Brasil.
O texto tem algumas citações da religião budista, principalmente quando lembra passagens da vida do Buda histórico. Mas o importante mesmo são os ensinamentos que estão ali, de uma forma simples e profunda.
E ao se aproximar a data da palestra, realizada 11 anos atrás, gostaria de publicá-la aqui.
Gostaria também de agradecer ao meu amigo Willer Siqueira que, na época, leu o texto traduzido e acrescentou alguns comentários importantes para a melhor compreensão do mesmo. Seus comentários são precedidos de seu nome.
Que tenham uma boa semana!
Ernesto
PALESTRA
Como conhecemos, o Budismo começou com Shakyamuni Budha, a cerca de 2.500 anos.
Quando ele começou a praticar, para solucionar o problema, ele começou a solucioná-lo na mente.
A maioria de nós, para solucionar os problemas do dia a dia, pensa, usa o cérebro e soluciona os problemas. Shakyamuni Budha também tentou solucionar os problemas mentalmente.
Mas o melhor caminho para solucionar o problema do ‘eu’ não é solucioná-lo mentalmente. É claro que a forma correta de solucionar problemas de ciência, matemática, filosofia, é usando a atividade mental. Mas sobre o problema do ‘eu’ esta não é forma correta Ele não percebeu isso. E levou seis anos, mesmo para Shakyamuni Budha.
Atividade mental precisa de linguagem e a linguagem contém palavras e palavras representam dualismo. As palavras precisam de: isto ou aquilo, direita ou esquerda, para cima ou para baixo, do lado de dentro ou do lado de fora, eu ou os outros, parar ou ir, sujeito ou objeto. Então as pessoas não duvidam a respeito da linguagem, pois quando uma criança nasce e cresce, o que esta criança aprende é este dualismo. Então, o que os seres humanos vêm fazendo por milhares de anos é transmitir este dualismo para a criança. Quando a criança se torna adulta, ela nunca duvidará do que escuta. Mas, esta idéia, ‘direita e esquerda’, ‘para cima e para baixo’, ‘bom e ruim’, é ilusão. É usada como uma ferramenta pela atividade mental. Por exemplo, se eu disser que este é o ‘lado direito’, este é o ‘lado esquerdo’ para vocês. Se eu disser que ‘para cima’ está nesta direção (apontando do dedo para cima), todos neste quarto irão concordar que ‘para cima’ está nesta direção. Mas esta direção é ‘para baixo’ para os japoneses que vivem do outro lado do mundo. E todos os seres humanos concordarão que o leste é para este lado e, de um outro lugar, leste é para a outra direção.
[Neste momento, o Reverendo Saikawa se levanta e explica o dualismo no quadro, desenhando um globo.] E diz:
A Terra, para os brasileiros, está nesta direção. Ao mesmo tempo, para os japoneses, está na outra direção.
[Depois ele desenha vária setas saindo de várias partes do globo em direção ao espaço.] Ele diz:
Há somente ‘para cima’, não há para baixo. Então, mesmo ‘para cima’ não existe. ‘Para cima’ precisa de ‘para baixo’. Ideias opostas. Para ‘para cima’, o ‘para baixo’ é necessário. Para ‘a direita’, ‘a esquerda’ é necessária. Para ‘o bem’, ‘o mal’ é necessário. (Ao tomar água) Se eu disser que esta água é fria, dentro de mim ela está quente. ‘O bem’ e o ‘O mal’ também são o mesmo. As coisas que são boas para o presidente Bush são ruins para (Saddam) Hussein. São somente ideias e a língua é condicionante. Ilusoriamente criada no cérebro. Então, originalmente, nada existe, não há ‘para cima / para baixo’, ‘direita / esquerda’, ‘bem / mal’. Mas as pessoas pensarão: ‘do lado de dentro’ e ‘do lado de fora’ existem. O ‘eu’ e os outros existem. É muito difícil descobrir. Isto também é ilusão no cérebro.
Shakyamuni Budha tentou encontrar o verdadeiro ‘eu’ no zazen. Na última vez ele determinou que, até atingir a iluminação, ele não se levantaria. Sob a árvore bodhi, no sétimo dia, ele se tornou um só com a estrela que atingiu seus olhos. Ele, no zazen, se esqueceu até mesmo de que estava lá, ele se esqueceu que estava praticando zazen, totalmente concentrado em si mesmo, ele se aprofundou cada vez mais e esqueceu-se de si mesmo. No oitavo dia, uma estrela da manhã veio à sua vista, embaixo. E a luz da estrela da manhã atingiu seus olhos. Então ele percebeu a unidade do ‘eu’ e dos outros, ‘sujeito / objeto’, ‘do lado de dentro’ / ‘do lado de fora’.
Nosso corpo, dos pés à cabeça, é feito de olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente. É óbvio que os olhos enxergam coisas, os ouvidos escutam sons, o nariz cheira, a língua sente, o corpo sente se está quente ou frio e a mente pensa [Willer: o sentido é: a mente gera formações mentais].
Shakiamuni Budha alcançou o ponto através dos olhos. Um outro monge, Dogen, alcançou o ponto através dos ouvidos. Um outro monge, através do cheio das flores. Um outro, através do sabor do chá. Eles realmente compreenderam, eles realmente alcançaram a unidade com o ‘sujeito / objeto’.
[Neste momento o Rev. Saikawa bate na mesa com a madeira, e pergunta:] Onde está este som?”. [Bate e pergunta novamente:] Onde está este som? Aqui? [E responde:] Não. Em vocês. Então vocês podem escutar.
[O Rev. Saikawa faz outras perguntas:] Onde está o cheiro deste incenso? Este cheiro está na fumaça do incenso? [E responde:] Não. Em vocês.
O gosto do chá não está no chá. Quente e frio não estão nas coisas que estão aqui. Se você sente calor, está em você. O mesmo acontece com este som [e bate com a madeira na mesa]. É neste mundo de unidade que estamos vivendo. É nesta unidade [e bate novamente com a madeira duas vezes na mesa] que estamos vivendo neste mundo. Sem ‘do lado de dentro / do lado de fora’.
Mas a mente pensa, o ‘eu’ aqui e os outros lá. A língua contém ‘eu, meu, mim, o meu’ [N.T.: Usando a língua inglesa, o Rev. Saikawa utiliza o sujeito, o objeto e duas formas de possessivo, enfatizando o ‘eu’]. E também ‘você, seu, de você’. Então, aquelas pessoas que não duvidam da língua, tem dificuldade de entender a unidade da vida.
A linguagem contém ‘eu, meu, mim, o meu’ e as pessoas dizem: meu corpo. Este é meu corpo. Meu corpo. E se eu expandir a ideia do ‘meu’, eu posso dizer: meu corpo, meu quarto, minha casa, minha cidade, meu país, meu mundo, meu universo. Então todo o universo se torna ‘meu’. Então, se eu reduzir a ideia do ‘meu’, meu corpo, meu cérebro, minha mente e aquilo sentido que eu estou pensando: isto é ‘meu’. Se eu expandir a idéia, todo o universo será ‘meu’ e se eu reduzir a idéia, há somente onda elétrica.
É nesta unidade que estamos vivendo neste mundo. Nós nascemos, neste mundo, nesta unidade. Somente no ponto da unidade é que vivemos neste mundo. Quando eu existo [Saikawa bate novamente com a madeira na mesa], o mundo existe. Quando o mundo existe, eu existo. Mas para aqueles que estão presos à palavra ou à linguagem, é muito difícil de ver o verdadeiro ‘eu’. O verdadeiro ‘eu’ não é uma coisa pequena. E ao mesmo tempo, sem forma.
Retornando à iluminação de Shakyamuni Budha, esta iluminação da unidade é herdada de professor para aluno e o aluno se torna professor e assim este Dharma é continuamente herdado e transmitido por 28 linhagens até Bodhidharma, que é o último patriarca da Índia e o primeiro da China.
Dogen, que era Japonês, era um gênio. É dito que, quando tinha 5 anos de idade, ele já tinha lido os escritos de filosofia chineses. Mesmo tal gênio que estudava Budismo não podia se satisfazer, porque ele tentava resolver o (problema do) ‘eu’ através da linguagem. Então ele teve que ir para a China para buscar o verdadeiro ensinamento. Quando ele estava praticando zazen no zendo, o monge perto dele estava dormindo. Seu professor, Rujing, tirou o chinelo e bateu no ombro do monge que estava dormindo. E disse: não durma!
Por meio daquele som, Dogen se tornou ‘um’ com todo o universo. E ele se levantou e foi à sala do abade, oferecendo incenso, e disse: “meu corpo e minha mente desapareceram’ ou ‘não são mais um peso’ ” [o mestre usa o verbo ‘drop off’, que significa ‘desaparecer’ ou ‘reduzir a quantidade’]. Então ele se tornou ‘um’ com o universo. Então Rujing disse: Está certo se tornar ‘um’ com o universo; mas, antes de sua experiência, você era ‘um’ com todo o universo. Neste sentido, Rujing disse: “Não que a mente e o corpo ‘desapareceram’, mas o corpo e a mente ‘foram retirados’ desde o ‘início menos o princípio’ ” [ou seja, sofreram a ação e não praticaram]. Dogen “diz: corpo e mente ‘desapareceram’”. Rujing disse: “corpo e mente ‘foram retirados’, no sentido oposto. Isto significa: não é se tornar ‘um’ com todo o universo. Se você perceber ou não, desde o princípio menos o início’, ‘um’ com todo o universo”. Dogen disse: “É verdade, é verdade. Sem minha experiência, nós somos ‘um’ com todo o universo”.
Retornando a Shakyamuni Budha, quando ele atingiu a iluminação, ele anunciou quão maravilhoso, quão miraculoso, ele e terra atingirem simultaneamente a iluminação. Isto significa que todo mundo é Budha. Todo mundo é Budha quer dizer que não há delusão, não há iluminação. Delusão e iluminação são ilusão da linguagem, da mesma forma que ‘direita / esquerda’, ‘para cima e para baixo’ são ilusão. Então ele pôde perceber totalmente que somente a atividade mental cria delusão, iluminação, ‘do lado de dentro / do lado de fora’, ‘bem / mal’. Então Shakyamuni Budha se tornou totalmente livre da rede que prendia as pessoas, que significa a linguagem.
Da mesma forma que Shakyamuni Budha, Dogen se tornou livre da linguagem. Então, quando ele retornou ao Japão, seu primeiro anúncio foi semelhante a este: “Eu não pratiquei zazen em muitos dojos. Então quando eu percebi, na casa de Rujing, percebi que o olho está na horizontal e não na vertical. Isto significa, bem aqui e agora (batendo na mesa com a madeira) é o nirvana. E eu voltei com mãos livres [N. T.: vazias], sem nada. Não há Budismo, sem nenhum Budismo.” Porque ele ficou totalmente livre da rede da linguagem. Então, mesmo o Budismo não existe para a iluminação. Esta iluminação nós herdamos de professor (mestre) para aluno (discípulo). Esta percepção nós estamos transmitindo.
Não é muito difícil se eu explicar dessa forma, ‘direita / esquerda’, ‘para cima / para baixo’, ‘bem / mal’, ‘do lado de dentro / do lado de fora’. É ilusão. É uma ferramenta da linguagem. É fácil entender. Mas é difícil, mesmo para estudantes de zen para perceber que o verdadeiro ‘eu’ não está da cabeça aos pés. É muito difícil perceber que a vida e a morte também são uma ilusão da linguagem. Da mesma forma que ‘direita / esquerda’ não existem. Então precisamos praticar. Não compreensão mental. Os filósofos do Budismo transformam as coisas simples em complicadas. Mas o zen as mostra de uma forma direta, bem simples, para realmente ver a idéia de ilusão, de iluminação que estão também no meio mental. Em outras palavras, em todo o universo não existe ilusão, somente na mente humana. Se você realmente perceber isto, você pode salvar a si próprio, através de você mesmo. Então, no Budismo, especialmente no Zen Budismo, o caminho é perceber o verdadeiro ‘eu’ e preservar o ‘eu’.
Quando eu fui a Florianópolis e lá pratiquei zazen com as pessoas, nós conversamos depois no restaurante e eu escutei que a religião no ocidente significa ‘reconectar-se’. Para o mundo japonês, religião é feita de dois caracteres chineses, ‘chiu–kiu’ [N.T.: Ou ‘chiu-kio’. Não sei realmente a forma correta de transcrever os caracteres]. ‘Chiu’ significa realidade. E a realidade significa o verdadeiro ‘eu’. E ‘Kiu’ significa o ensinamento para alcançar o caminho. Então ‘kiu’ não é um ensinamento filosófico. Muito ativo. Forma ativa de alcançar o verdadeiro ‘eu’. Isto é religião para o sentido japonês. Pois o que é a coisa mais importante é se tornar livre de todas as coisas, e desfrutar essa vida. E desfrutar junto com todos.
Então eu vim para este país para apreciar a vida junto com vocês e espalhar este ensinamento.
Muito Obrigado.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Alguma Pergunta. Se eu puder responder.
Pergunta: Tudo tem um oposto: bem/mal etc. Qual é o oposto de Deus?
Rev. Saikawa: Na linguagem, eu não sei o oposto de Deus, mas qual é o oposto de Deus no ocidente?
Intervenção do Público: Inferno. O diabo. No ocidente, o oposto de Deus é o diabo.
Rev. Saikawa: Então Deus precisa do diabo. Da mesma forma que a ‘direita’ precisa da ‘esquerda’ e o ‘bem’ precisa do ‘mal’. Da mesma forma Deus precisa do diabo. Então esta forma de pensar, no dualismo, tenta resolver os problemas no dualismo. Mas o budismo não tenta resolver o problema de forma dualística.
Pergunta: Eu gostaria que ele falasse um pouco mais sobre qual é o conceito de religião para o oriental.
Rev. Saikawa: ‘chiukio’ é religião em japonês. ‘Chiu’ é a origem, ou base, ou raiz. Muito profundo. É o significado do mundo.
Pergunta: Qual é o conceito de realidade?
Rev. Saikawa: O significado de realidade? É como isto...(Após beber água) Isto é realidade. Isto é bom!!. A mente humana é tão inteligente, que compara com as coisas do passado [Willer: o que está acontecendo no presente. Este é o sentido]. Esta é a delusão. Por exemplo, ontem eu estava tão alegre, tão engraçado e hoje eu estou mais retraído. Comparando com a situação de hoje e de ontem. O passado não existe mais. Mesmo o ‘aqui e agora’ (batendo com a madeira na mesa) nós não podemos pegar. Se eu disser: eu ‘escutei’ este som (batendo novamente com a madeira na mesa), ele já se tornou passado. Então esta inteligência é que cria o dualismo, a delusão do ser humano. Compara. Coloca as coisas do passado inseridas no presente na ‘mesma mesa’. Esta é a delusão. O passado não existe mais. O futuro não existe mais. O ‘aqui e agora’ (batendo com a madeira na mesa). Somente o ‘aqui e agora’ existe. Então...(bebendo água novamente)...Isto é bom!! Esta é a realidade. A mais profunda parte do ensinamento.
O Rev. Saikawa se retira por alguns minutos. Após retornar, continua:
Quando eu uso a palavra ilusão, eu a uso na forma dualística de pensar, que é criada na mente. Mas isto...(bebendo água novamente)...não é ilusão. Então, muitas pessoas vivendo somente com forma dualística de pensar, muitas ilusões no cérebro, se tornam muito presas nisto.
Pergunta: O que eu gostaria de saber, é: se você pensa em limão [N.T.: a fruta], quer dizer que não existe o limão?
Rev. Saikawa: A ilusão criando as condições dos corpos. Mas o sistema do corpo do ser humano. Isto também está além do ‘bem / mal’.
Pergunta: Qual é a definição para religião em japonês?
Rev. Saikawa: A origem, a base. Então, qual é a base? A base não está no lado de fora, porque todos os problemas criados nesta vida vêm daqui, não é? [Willer: o Rev. Saikawa aponta para a sua própria cabeça que simboliza a nossa mente, no sentido de - Mente Apenas - um conceito budista muito usual na filosofia do Mahayana]. Então você tem que verdadeiramente ver seu ‘eu’. É a forma de encontrar a solução para a essência, para o significado deste mundo.
É claro que não estamos falando de problemas sociais. Nós também temos que resolver os problemas sociais, o tanto quanto for possível. Mas nós estamos falando dos problemas que nós temos que liberar, ou temos que nos libertar de todos os problemas e dor.
O ato de solucionar problemas sociais não é útil para quem está morrendo.
O ensinamento, mesmo para aqueles que estão morrendo agora, é importante. É a forma de ensinar o verdadeiro ‘eu’ e se liberar dos seus problemas.
Pergunta (Willer): O meu verdadeiro ‘eu’ é igual ao verdadeiro ‘eu’ do senhor?
Rev. Saikawa: Sim. Seu verdadeiro ‘eu’ é o verdadeiro ‘eu’ de todo mundo, como uma bola de cristal espelhada*. Então, muitas centenas de milhares de bolas de cristal espelhadas. O espelho não tem ‘eu’. Não pensa ou escolhe. Não gosta ou desgosta. Então, o que quer que venha, o espelho reflete, sem pensar ou escolher, sem preferência. Quando se vai, vai. Os olhos são um espelho, para se tornar ‘um’ com estas coisas. Sem o ‘eu’. Os ouvidos são o espelho do som (o Rev. Saikawa bate com a madeira na mesa). Tudo que vem se torna ‘um’. Se este som é preferível ou não (batendo com a madeira novamente), eles [os ouvidos] se tornam ‘um’ com ele. O espelho reflete o som. Quando o cheiro vem, se é preferível ou não, o nariz se torna ‘um’ com o cheiro. Não há o ‘eu’ como espelho, refletindo este cheiro. A língua é o espelho para refletir o gosto. Não há o ‘eu’. Sem preferência. O corpo é este espelho, refletindo ‘quente e frio’, ‘áspero e macio’. Sem o ‘eu’, como um espelho. O que quer que venha, se torna um com ele. Mas as pessoas podem pensar que ‘a mente não é um espelho e que deve existir um ‘eu’ na mente’. Mas a mente é também um espelho. A preferência não é criada pela mente. Por exemplo, eu gosto mais de chá do que café. Quando eu era pequeno, quando eu pela primeira vez bebi um bom chá, então eu comecei a preferir o chá. As pessoas que preferem café, talvez se tornam ‘um’ no momento que o examinam [Willer: cheirá-lo, tocá-lo, vê-lo, bebê-lo]. Talvez tenham um namorado ou namorada e quando experimentam o café, em determinado momento, se tornam apreciadores de café. A preferência não vem da ‘essência’ do ‘eu’. Somente ‘condicionamento’.
Há uma história de um bebê que foi criado por lobos. Ele ou ela não podia se tornar um ser humano como nós. A mente também é condicional. Ela se torna ‘um’ com a causa e efeito.
Se o [presidente] Bush pegar a mesma criança e criá-la na América, esta criança vai se tornar uma profunda crente do cristianismo. A mente também é como um espelho. Não há ‘eu’. Para tudo que vier, ela se torna ‘um’ com isto. Então, dos pés à cabeça, todo o corpo é feito de causa e efeito. Isto é chamado dharma. Então, tudo neste mundo é feito com o dharma. Então, todas as coisas, todas as pessoas, é o corpo do dharma. Isto é chamado de Budha. Não há iluminação, não há delusão. Além da delusão e da iluminação. O entendimento, a percepção, o despertar de Shakyamuni Budha, é chamado ‘iluminação’. Então nesta ‘iluminação’ de Shakyamuni Budha, não há ‘iluminação’e não há ‘delusão’ também. Somente o que é.
Eu diria novamente, todas as coisas neste mundo não possuem ‘iluminação’ ou ‘delusão’. Além da ‘iluminação’ ou da ‘delusão’. Somente a atividade mental dos seres humanos que produzem ‘ilusão’ ou ‘iluminação’.
Se eu me referir sobre o que eu falei de uma forma matemática, o ‘zero’ é igual ao ‘infinito’. Mas é muito difícil de entender através da mente. O ‘zero’ é igual ao ‘infinito’ é a mesma coisa que dizer que o ‘preto’ é igual ao ‘branco’. É muito difícil de entender. Impossível de compreender porque a atividade mental precisa de ‘direita / esquerda’, ‘do lado de dentro / do lado de fora’. A atividade mental domina o dualismo. Então o ‘branco’ é ‘preto’, o ‘zero’ é igual ao ‘infinito’. Impossível de ‘agarrar’ com a atividade mental. Então é necessário perceber através da prática.
Quando eu discursei em Porto Alegre, uma pessoa me disse que ele sabia, que ele compreendia tudo o que eu falei. Então eu perguntei a ele: Você está satisfeito com sua vida? E ele respondeu: Não absolutamente. Então a compreensão verbal, ou dharma, não pode atingir o ponto, porque a atividade mental está no dualismo. Então nós precisamos praticar ‘zazen’, para realmente nos tornarmos um com todas as coisas.
Há muitos pontos sobre Dogen Zenji. E há um ponto que diz: “sem o ‘eu’, e sentado aqui, então a chuva cai sobre mim, sobre mim mesmo”. Quando ele estava sentado em ‘zazen’ e havia a chuva, o ponto estava feito. “Isto ‘sou eu mesmo’ ”. [o Reverendo bate com a madeira na mesa três vezes]. Sem ‘delusão’, sem ‘do lado de dentro / do lado de fora’, sem o ‘eu’ e os outros, totalmente ‘um’ com todo o universo.
* [Willer: Esta imagem é uma referência a uma passagem do sutra avatamsaka, onde foi descrito a imagem da Rede de Indra que continha em seus pontos de união – suas malhas – jóias brilhantes que refletiam tudo que estava a sua volta querendo com isso ensinar de forma poética a natureza da interdependência – a infinita variedade de interações e interseções de todas as coisas, pois cada joia contém todas as outras, um importante dharma de Shakiamuni Buda. De acordo com este dharma por exemplo: sempre que toco uma flor, toco no sol ainda que eu não fique queimado. Quanto toco numa flor, toco a nuvem mesmo sem estar voando pelo céu. Quando toco na flor, toco na minha consciência, na sua consciência, e no grande planeta terra ao mesmo tempo. Isso é possível graças a compreensão da inter-existência. Se você realmente toca uma flor em profundidade, você toca o cosmos inteiro. O cosmos não é um nem muitos, quando você toca um toca muitos e quando você toca muitos toca um]
Pergunta: [N.T.: A pergunta foi feita sobre unidade, sobre o passado, porém não está compreensível]
Rev. Saikawa: No budismo, nós oferecemos coisas, não somente aos ancestrais, mas também aos espíritos deste mundo, porque nós realmente vemos a unidade; passado e presente são somente palavras. Então, quando você oferece coisas aos ancestrais, você se torna ‘um’ com os ancestrais. Sem ‘ilusão’, sem ‘do lado de dentro / do lado de fora’.
Por exemplo, na atividade mental, ‘luz’ e ‘trevas’, ou ‘dia’ e ‘noite’ são totalmente diferentes. Totalmente diferentes, como o ‘preto’ e o ‘branco’. Mas ninguém pode fazer um corte claro entre a ‘luz’ e as ‘trevas’, o ‘dia’ e a ‘noite’. Esta é uma coisa da divisão da mente.
O passado e o presente estão também aqui [o Reverendo bate com a madeira na mesa duas vezes].
Pergunta: [A pergunta, também um pouco incompreensível, é sobre o ‘presente’ e o ‘eu’].
Rev. Saikawa: Em português [o Reverendo fala em português], cada momento é novo.
Pergunta: Seria possível falar sobre o sentimento do medo.
Rev. Saikawa: O medo (temor) é a mesma coisa que a ‘sombra’ na mente. Somente a onda da mente. Então quando os estudantes (praticantes) do ‘zen’ sentam em ‘zazen’, tudo o que vier, deixe vir; tudo o que for, deixe ir. Não tente segurar, afastar para longe. Mesmo o (a) ? [N.T.: não compreendi bem o que foi dito / Willer: sensação de prazer / sensação agradável – acredito ser este o sentido], não tente segurá-lo (a). Mesmo aquela memória, não tente afastá-la. Somente seja isto. Este é o caminho para se alcançar realmente o ‘eu’ (Willer: o sentido é: este é o caminho para se atingir, alcançar o verdadeiro eu)
Terminou? Tudo Bem?
Muito Obrigado
[O Rev. Saikawa faz uma prece e, após, diz:] Que suas vidas prossigam.
segunda-feira, 25 de julho de 2016
Notícias Amenas
Prezados leitores,
O ano era 1974. A Edição de nº47 da Revista Mônica, com todas as cores e humor, em uma historinha da turma da mata, já chamava atenção para o fato de que boa parte da humanidade não consegue viver com notícias amenas, comportamento que alguns pensam ser coisa do século XXI. A busca no noticiário, nas séries de televisão, nos filmes e, porque não, nos livros, pelo confronto, pela discórdia, pelas brigas, explosões e fatos surpreendentes, raramente positivos, é uma característica de uma grande parcela da população.
1990. Guerra do Golfo transmitida ao vivo pela CNN, um furo! As pessoas ficavam em frente à telinha (na época, telonas eram raras) por horas, vendo o sofrimento causado pelos mísseis, principalmente direcionados à capital do Iraque, Bagdá. Eu me recordo de, em um daqueles dias, ter ficado sentado em um sofá, em um quarto no fundo de minha casa, ao lado de meu irmão, Alexandre, e de meu amigo, Luciano, assistindo aos bombardeios, totalmente paralisado, absorvendo a barbárie em todos níveis de consciência e inconsciência. Em um determinado momento, um avião, possivelmente um jato particular, foi se aproximando do espaço aéreo acima de minha casa. À medida em que o som da aeronave aumentava, começamos a ficar internamente desesperados, até que, no momento em que o jato estava muito próximo (mas muito acima, é claro) e o barulho ficou muito forte, parecendo com o de um míssil, meu irmão saiu correndo a mil por hora. Venceria fácil, fácil, o jamaicano Usain Bolt nos 100m rasos, tal velocidade que imprimiu na sua fuga. Luciano o acompanhou depois. Eu fiquei paralisado por um tempo, imóvel, aceitando meu destino. Mas também corri, após uns segundos. Então, felizmente, o avião passou. Nos entreolhamos, rimos bastante e desligamos a televisão, reconhecendo o absurdo de tudo aquilo.
1994. O piloto Ayrton Senna morre. Trágico acidente? Trágico ou não, a cena da batida de Senna foi repetida em todos os noticiários. Poucos acreditavam que aquilo fosse verdade. A encarnação de sucesso de um brasileiro havia morrido. Comoção nacional. No decorrer da semana, eu me recordo de ter chegado à casa de uma aluna e ela não conseguiu ter aula. Ficou meio que olhando para a TV, acompanhando o cortejo fúnebre, o que tomou conta de todo o horário televisivo. Meu pai havia falecido há um ano. Eu não podia me dar ao luxo de ficar vendo o enterro do Senna, mesmo que gostasse de ver sua arte pelas pistas. Na ocasião, eu me recordo da opinião de duas pessoas. A primeira foi de um aluno que fazia mestrado em Economia aqui em Belo Horizonte. Sendo de outra cidade, pagando aluguel, e, obviamente, pela própria natureza do curso que fazia, me disse: "O enterro do Senna não vai me ajudar no meu mestrado". A outra fala veio exatamente de um desafeto de Ayrton, o também piloto Nelson Piquet. Em entrevista a Marília Gabriela, disse algo como: "É perfeitamente compreensível a comoção, pois Senna era um ídolo nacional. Mas é bom deixar claro que estamos ali correndo muito risco, nossos seguros são altíssimos. As pessoas ligam a televisão para ver a largada, carros rodando, ultrapassagens e acidentes espetaculares." Ou seja, uma casca de ovo a mais de 300km/h pode bater a qualquer momento. E um piloto pode morrer. É algo previsível. Mesmo com o aumento dos níveis de segurança, às vezes ocorre. Em 2014, o francês Jules Bianchi morreu durante o grande prêmio do Japão. E a coisa já foi muito pior. Nos anos 70, 12 pilotos morreram nas pistas. Em 1976, Niki Lauda saiu de um carro em chamas. Quase morreu. Voltou às pistas após algumas etapas e por muito pouco perdeu o campeonato para o louquíssimo James Hunt. O show deve continuar! O povo delira e a mídia adora.
Sobre os criticados jornais televisivos, parei de assisti-los há muito tempo. Vejo algumas manchetes, uma ou outra reportagem, para saber sobre o que eles estão falando. É como ver propagandas de novela e saber tudo que está acontecendo nelas, pois o noticiário é repetitivo e utiliza seu espaço com o que as pessoas querem ver, mesmo que os comentários e as críticas digam que ele sempre impõe sua pauta. Observo isso com o afastamento necessário, pois não vejo uma edição do Jornal Nacional, da Rede Globo, há cerca de 20 anos, por exemplo. E, curiosamente, acompanhei, por mídias sociais, alguns comentários curiosos sobre este. Veio de defensores do partido PT. Eles disseram terem assistido a uma edição do mencionado telejornal apenas para ter o prazer de ver o nome e a foto de Aécio Neves, na tela da Rede Globo, em uma reportagem que mencionava os nomes de políticos citados (por delatores) por atos de corrupção, na curso das investigações da operação lava jato.
Quando era criança, a Rede Globo tinha programas muito melhores, como 'Concertos para a Juventude', 'Rock Concert', e o ainda em atividade 'Globo Repórter'. Com o tempo, a programação foi se tornando fútil, pouquíssimo cultural. Só foi salvo o Globo Repórter, agora transmitido às sextas-feiras, tarde da noite, e cada vez menor, e certos programas regionais, como, em Minas Gerais, o Terra de Minas (Sábado, depois do Jornal Hoje, horário até razoável) e o Globo Horizonte (Domingo, no início da manhã, só para os que gostam mesmo). Então, o que faço: raramente vejo a Globo, pronto. E ponto. Se não gosto e me faz mal, não vejo. Observo muitas pessoas, principalmente que se declaram 'esquerdistas', criticarem a emissora, a chamando de golpista e blá blá blá. Mas, sempre que há uma notícia que lhes agrada, publicada no site G1, lá vem eles compartilhando o link do G1 nas redes sociais. O ridículo é que todos os telejornais dos canais abertos têm conteúdo semelhante. Às vezes não falam de um assunto ou outro, para proteger um patrocinador. E muitos são bem agressivos, chegando a ser reacionários. Mas a crítica vem sempre em cima da Globo.
Eu gosto de dar alimento para o quê e para quem quero ver crescer e produzir frutos. O que acho nocivo, de mau gosto e desagradável, não merece nem comentário. Na verdade, os canais abertos são mais o reflexo do que as pessoas querem ver do que uma imposição de programação. Um reflexo do nível sócio cultural da população. Além disso, antes de iniciar um programa, muitas pesquisas são feitas com a população, o que já gerou, por exemplo, a introdução de famílias negras de classe média e relacionamentos homossexuais nas telenovelas, ampliando a representatividade nesses programas (o que é bom, é claro). A teledramaturgia também insere problemas psiquiátricos, de alcoolismo, além de exibir muita nudez, tudo para manter e aumentar a audiência.
Os canais de TV paga não ficam muito longe. Até alguns anos atrás, eu considerava a Globo News um excelente canal. Pouca propaganda e muitos programas culturais. Ainda mantém um pouco desse direcionamento. Porém, os programas jornalísticos extensos vem tomando conta da programação, empurrando os programas culturais para horários menos nobres. Tudo por conta das notícias não amenas. A maioria das pessoas querem ver algo estrondoso, como a prisão de um senador, por exemplo. Quando Lula foi levado, coercitivamente, para um depoimento, eu me recordo que fiquei sabendo da notícia através de um post de um amigo no Facebook, que escreveu algo do tipo: "Agora vai. Tem que dar certo!". Não tenho simpatia pelo Sr. Lula, mas o fato dele ter seus problemas com a justiça não é notícia boa. Ele é ex-Presidente da República. Isso é péssimo para o nosso país, interna e externamente. E 'parece' que ele não é o único ex-presidente vivo com problemas similares.
Sobre as crises políticas, quando ocorrem os longos depoimentos em CPIs, quando surgem as notícias bombásticas, eu sempre fico prejudicado. Às vezes perco uma entrevista legal que passou às 23h do dia anterior na citada Globonews e, no outro dia, ao ligar a TV para assistir a reprise, vejo um cara engravatado dando um depoimento no senado. Tudo para deixar o telespectador 'ligado'.
Furacões, atentados terroristas, crimes em família, greves, mortes, renúncia ou morte (também eleição e viagens, estas bem mais amenas) de Papa, tiroteios, acidentes trágicos em estradas! As notícias 'ruins' se sucedem. O enfraquecimento e natural esvaziamento de uma gera a necessidade de outra, para manter ou mesmo aumentar os índices de audiência. Eu me recordo de conversar com uma moça que me disse, na ocasião, que estava acompanhando 'de perto' (mesmo que há uns 600 km de distância) o caso da menina Isabella Nardoni que, em 2008, foi arremessada pela janela de um apartamento, segundo foi concluído pela justiça, pela madrasta e pelo próprio pai.
É claro que o noticiário que cobre escândalos políticos e tragédias é o mais apelativo. Mas o de esportes também o é. No início deste texto falei um pouco da Fórmula 1, ou melhor, dos acidentes da Fórmula 1. Bem, esporte, na minha opinião, é uma das coisas mais gostosas de praticar e uma das mais chatas de assistir. Os diversos esportes só se mantém muito bem televisionados por causa das surpresas que muitas vezes ocorrem. Foi o caso da maratonista suíça Gabriela Andersen-Schiess, que conseguiu cruzar a linha de chegada com muita dificuldade, devido à sua exaustão física, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. O povo no estádio aplaudia muito e, na TV, todo mundo parou para ver seu sacrifício. Fato curioso foi também o jogo Portugal X Neerlândia (Países Baixos), na péssima Copa do Mundo de 2006, quando o 'pau quebrou' e, já que 'na bola' a Copa não ia bem, um jogo 'quente', cheio de faltas feias e expulsões (foram dados 16 cartões amarelos e 4 vermelhos), virou o melhor dela! Após a Copa de 2010, que foi também meio chata, as regras do jogo foram mudadas e o tamanho do campo reduzido, o que transformou o futebol em um circo romano e com muito mais gols. Equipes que nunca tiveram muita projeção conseguiram até ganhar alguns campeonatos importantes, sempre se utilizando das famosas arenas, com muita gritaria da torcida e, consequentemente, correria do time.
Felizmente as belas vitórias chamam ainda mais atenção e prendem o público também. Mas, sem o elemento superação, que inclui uma dose de sofrimento, a coisa fica meio sem graça. Foi bonito ver o Dream Team dos Estados Unidos disputar as Olimpíadas de Barcelona, em 1992. Mas, sem nenhum adversário à altura (bem que a Croácia tentou, na final), ficou uma coisa meio Harlem Globetrotters, uma exibição. Por outro lado, na Eurocopa 2016, o golaço de Portugal, no segundo tempo da prorrogação, contra a França, dentro da França, tendo perdido seu melhor jogador, o melhor-do-mundo Cristiano Ronaldo (no princípio do jogo), é um exemplo de superação! Para completar, Éder, o jogador que marcou o gol é negro e nasceu na Guiné-Bissau, isso tudo no meio de uma crise europeia que vem aumentando os níveis de xenofobia em todo o continente! Valem as lágrimas!
Voltando à política, observo que hoje em dia muita gente virou jornalista, jurista e comentarista. Sem nenhuma base, conhecimento, auto controle, reflexão e, o que é mais importante, sabedoria, muitos dos perfis das redes sociais, principalmente do Facebook, se tornaram 'jornalzinhos' particulares sobre política, algo como as antigas fanzines. Muito ideológicas, sem profundidade, as pessoas compartilham qualquer coisa que lhes agradam e pouco do que escrevem tem discernimento. Publicações vindas de páginas que só escrevem de um lado da história (ou estória), sejam elas chamadas de 'esquerda' ou 'direita', é lugar-comum. Uma amiga é fã de um sujeito que diz ser jornalista, mas seu perfil é estranho, não tem foto, não há nenhuma referência sobre ele na internet e o tipo só fala de um ponto de vista. Desponta para o anonimato.
Mas e a notícia, não deve ser dada? Perguntei uma vez ao célebre e respeitadíssimo jornalista Zuenir Ventura, autor, dentre outros livros, de '1968 - O Ano Que Não Terminou', sobre o assunto. Sua resposta foi categórica, relatando que o volume de informações que chega a uma redação é tão grande, hoje em dia, que eles têm dificuldade para filtrar e confirmar tudo. E, mesmo que um jornal, escrito ou televisivo, não publique essas notícias bombásticas, os outros o farão e ele fica para trás. Zuenir, que estava lançando seu romance 'A Sagrada Família' disse da sua felicidade em escrever uma história de ficção, em que teve muita liberdade para inventar, pois notícias sobre política davam muito trabalho. Ele disse que podem ocorrer exageros, sim, mas que os repórteres sérios checam com várias fontes para terem certeza de que uma informação é correta. O processo todo é extremamente trabalhoso.
E como ser bem informado? Bem, meu texto já dá, nem modesta e nem imodestamente, o exemplo. Todos os dados acima foram cuidadosamente checados em páginas oficiais e sempre em mais de uma. Minha memória é boa, mas não é o suficiente. Minha experiência como tradutor ajuda. No caso de um texto científico, muitas vezes encontro a tradução de um termo técnico em um dicionário físico ou virtual. Mas, para a comprovação da existência e uso do termo, sempre realizo uma pesquisa rigorosa em textos publicados em sites e/ou revistas, muitas vezes ligados a boas universidades e sempre com excelente aceitação pelos profissionais da área de estudo. E ainda utilizo minha querida biblioteca física. Isso tudo vem com a experiência, é claro. Este é só um exemplo, pois cada área tem sua característica própria para uma boa análise.
Sobre opinião pessoal a respeito de um assunto polêmico ou não, entendo que o conhecimento é importante, bem como a inteligência para fazer as ligações que nos permitem uma reflexão. Mas sem sabedoria, o vazio é enorme. Ideologias fortes e muito enraizadas nas profundas camadas inconscientes das pessoas prejudicam sensivelmente o discernimento e, consequentemente, cegam da pior forma os seres humanos. De seu cárcere, é difícil sair, pois as grades são, muitas vezes, impenetráveis.
As notícias amenas ou não são como qualquer coisa que ingerimos, como a luz do sol, o alimento e a água. Portanto, concluo este texto com uma orientação do mestre vietnamita Thich Nhat Hanh, que nos ensina em seu Quinto Treinamento Para a Plena Consciência, em um quase mantra:
"Ciente pelo sofrimento causado pelo consumo não consciente, eu me comprometo a cultivar boa saúde, tanto física, como mental, para mim mesmo, minha família e minha sociedade, ao comer, beber e consumir em plena consciência. Eu me comprometo a ingerir somente itens que preservem a paz, o bem-estar e alegria em meu corpo, em minha consciência e no corpo e consciência coletivos de minha família e sociedade. Eu estou determinado a não usar álcool ou qualquer outro intoxicantes e não ingerir comidas ou outros itens que contém toxinas, como certos programas de TV, revistas, livros, filmes e conversas. Eu estou ciente de que causar dano ao meu corpo, ou minha consciência, com estes venenos, é trair meus ancestrais, meus pais, minha sociedade e as futuras gerações. Eu trabalharei para transformar a violência, o medo, a raiva e a confusão em mim mesmo e na sociedade, ao praticar uma dieta para mim e para a sociedade. Eu entendo que uma dieta apropriada é crucial para a autotransformação e para a transformação da sociedade."
Bem, só uma pequena ressalva: um cálice de vinho, em um momento apropriado, não faz mal a ninguém!
Um abraço a todos e que tenham uma bela semana!
As imagens foram utilizadas somente com o objetivo de ilustrar a mensagem. Não há fins comerciais.
Créditos:
Revista Mônica nº47, originalmente lançada em março de 1974. Aqui na edição comemorativa de maio de 2015, publicada pela Panini Comics, págs. 36 a 41;
Tradução livre do trecho entitulado 'The Fifth Mindfulness Training', págs. 55 e 56, do livro 'The Art Of Power', de Thich Nhat Hanh, lançado pela HarperOne em 2007.
O ano era 1974. A Edição de nº47 da Revista Mônica, com todas as cores e humor, em uma historinha da turma da mata, já chamava atenção para o fato de que boa parte da humanidade não consegue viver com notícias amenas, comportamento que alguns pensam ser coisa do século XXI. A busca no noticiário, nas séries de televisão, nos filmes e, porque não, nos livros, pelo confronto, pela discórdia, pelas brigas, explosões e fatos surpreendentes, raramente positivos, é uma característica de uma grande parcela da população.
1990. Guerra do Golfo transmitida ao vivo pela CNN, um furo! As pessoas ficavam em frente à telinha (na época, telonas eram raras) por horas, vendo o sofrimento causado pelos mísseis, principalmente direcionados à capital do Iraque, Bagdá. Eu me recordo de, em um daqueles dias, ter ficado sentado em um sofá, em um quarto no fundo de minha casa, ao lado de meu irmão, Alexandre, e de meu amigo, Luciano, assistindo aos bombardeios, totalmente paralisado, absorvendo a barbárie em todos níveis de consciência e inconsciência. Em um determinado momento, um avião, possivelmente um jato particular, foi se aproximando do espaço aéreo acima de minha casa. À medida em que o som da aeronave aumentava, começamos a ficar internamente desesperados, até que, no momento em que o jato estava muito próximo (mas muito acima, é claro) e o barulho ficou muito forte, parecendo com o de um míssil, meu irmão saiu correndo a mil por hora. Venceria fácil, fácil, o jamaicano Usain Bolt nos 100m rasos, tal velocidade que imprimiu na sua fuga. Luciano o acompanhou depois. Eu fiquei paralisado por um tempo, imóvel, aceitando meu destino. Mas também corri, após uns segundos. Então, felizmente, o avião passou. Nos entreolhamos, rimos bastante e desligamos a televisão, reconhecendo o absurdo de tudo aquilo.
1994. O piloto Ayrton Senna morre. Trágico acidente? Trágico ou não, a cena da batida de Senna foi repetida em todos os noticiários. Poucos acreditavam que aquilo fosse verdade. A encarnação de sucesso de um brasileiro havia morrido. Comoção nacional. No decorrer da semana, eu me recordo de ter chegado à casa de uma aluna e ela não conseguiu ter aula. Ficou meio que olhando para a TV, acompanhando o cortejo fúnebre, o que tomou conta de todo o horário televisivo. Meu pai havia falecido há um ano. Eu não podia me dar ao luxo de ficar vendo o enterro do Senna, mesmo que gostasse de ver sua arte pelas pistas. Na ocasião, eu me recordo da opinião de duas pessoas. A primeira foi de um aluno que fazia mestrado em Economia aqui em Belo Horizonte. Sendo de outra cidade, pagando aluguel, e, obviamente, pela própria natureza do curso que fazia, me disse: "O enterro do Senna não vai me ajudar no meu mestrado". A outra fala veio exatamente de um desafeto de Ayrton, o também piloto Nelson Piquet. Em entrevista a Marília Gabriela, disse algo como: "É perfeitamente compreensível a comoção, pois Senna era um ídolo nacional. Mas é bom deixar claro que estamos ali correndo muito risco, nossos seguros são altíssimos. As pessoas ligam a televisão para ver a largada, carros rodando, ultrapassagens e acidentes espetaculares." Ou seja, uma casca de ovo a mais de 300km/h pode bater a qualquer momento. E um piloto pode morrer. É algo previsível. Mesmo com o aumento dos níveis de segurança, às vezes ocorre. Em 2014, o francês Jules Bianchi morreu durante o grande prêmio do Japão. E a coisa já foi muito pior. Nos anos 70, 12 pilotos morreram nas pistas. Em 1976, Niki Lauda saiu de um carro em chamas. Quase morreu. Voltou às pistas após algumas etapas e por muito pouco perdeu o campeonato para o louquíssimo James Hunt. O show deve continuar! O povo delira e a mídia adora.
Sobre os criticados jornais televisivos, parei de assisti-los há muito tempo. Vejo algumas manchetes, uma ou outra reportagem, para saber sobre o que eles estão falando. É como ver propagandas de novela e saber tudo que está acontecendo nelas, pois o noticiário é repetitivo e utiliza seu espaço com o que as pessoas querem ver, mesmo que os comentários e as críticas digam que ele sempre impõe sua pauta. Observo isso com o afastamento necessário, pois não vejo uma edição do Jornal Nacional, da Rede Globo, há cerca de 20 anos, por exemplo. E, curiosamente, acompanhei, por mídias sociais, alguns comentários curiosos sobre este. Veio de defensores do partido PT. Eles disseram terem assistido a uma edição do mencionado telejornal apenas para ter o prazer de ver o nome e a foto de Aécio Neves, na tela da Rede Globo, em uma reportagem que mencionava os nomes de políticos citados (por delatores) por atos de corrupção, na curso das investigações da operação lava jato.
Quando era criança, a Rede Globo tinha programas muito melhores, como 'Concertos para a Juventude', 'Rock Concert', e o ainda em atividade 'Globo Repórter'. Com o tempo, a programação foi se tornando fútil, pouquíssimo cultural. Só foi salvo o Globo Repórter, agora transmitido às sextas-feiras, tarde da noite, e cada vez menor, e certos programas regionais, como, em Minas Gerais, o Terra de Minas (Sábado, depois do Jornal Hoje, horário até razoável) e o Globo Horizonte (Domingo, no início da manhã, só para os que gostam mesmo). Então, o que faço: raramente vejo a Globo, pronto. E ponto. Se não gosto e me faz mal, não vejo. Observo muitas pessoas, principalmente que se declaram 'esquerdistas', criticarem a emissora, a chamando de golpista e blá blá blá. Mas, sempre que há uma notícia que lhes agrada, publicada no site G1, lá vem eles compartilhando o link do G1 nas redes sociais. O ridículo é que todos os telejornais dos canais abertos têm conteúdo semelhante. Às vezes não falam de um assunto ou outro, para proteger um patrocinador. E muitos são bem agressivos, chegando a ser reacionários. Mas a crítica vem sempre em cima da Globo.
Eu gosto de dar alimento para o quê e para quem quero ver crescer e produzir frutos. O que acho nocivo, de mau gosto e desagradável, não merece nem comentário. Na verdade, os canais abertos são mais o reflexo do que as pessoas querem ver do que uma imposição de programação. Um reflexo do nível sócio cultural da população. Além disso, antes de iniciar um programa, muitas pesquisas são feitas com a população, o que já gerou, por exemplo, a introdução de famílias negras de classe média e relacionamentos homossexuais nas telenovelas, ampliando a representatividade nesses programas (o que é bom, é claro). A teledramaturgia também insere problemas psiquiátricos, de alcoolismo, além de exibir muita nudez, tudo para manter e aumentar a audiência.
Os canais de TV paga não ficam muito longe. Até alguns anos atrás, eu considerava a Globo News um excelente canal. Pouca propaganda e muitos programas culturais. Ainda mantém um pouco desse direcionamento. Porém, os programas jornalísticos extensos vem tomando conta da programação, empurrando os programas culturais para horários menos nobres. Tudo por conta das notícias não amenas. A maioria das pessoas querem ver algo estrondoso, como a prisão de um senador, por exemplo. Quando Lula foi levado, coercitivamente, para um depoimento, eu me recordo que fiquei sabendo da notícia através de um post de um amigo no Facebook, que escreveu algo do tipo: "Agora vai. Tem que dar certo!". Não tenho simpatia pelo Sr. Lula, mas o fato dele ter seus problemas com a justiça não é notícia boa. Ele é ex-Presidente da República. Isso é péssimo para o nosso país, interna e externamente. E 'parece' que ele não é o único ex-presidente vivo com problemas similares.
Sobre as crises políticas, quando ocorrem os longos depoimentos em CPIs, quando surgem as notícias bombásticas, eu sempre fico prejudicado. Às vezes perco uma entrevista legal que passou às 23h do dia anterior na citada Globonews e, no outro dia, ao ligar a TV para assistir a reprise, vejo um cara engravatado dando um depoimento no senado. Tudo para deixar o telespectador 'ligado'.
Furacões, atentados terroristas, crimes em família, greves, mortes, renúncia ou morte (também eleição e viagens, estas bem mais amenas) de Papa, tiroteios, acidentes trágicos em estradas! As notícias 'ruins' se sucedem. O enfraquecimento e natural esvaziamento de uma gera a necessidade de outra, para manter ou mesmo aumentar os índices de audiência. Eu me recordo de conversar com uma moça que me disse, na ocasião, que estava acompanhando 'de perto' (mesmo que há uns 600 km de distância) o caso da menina Isabella Nardoni que, em 2008, foi arremessada pela janela de um apartamento, segundo foi concluído pela justiça, pela madrasta e pelo próprio pai.
É claro que o noticiário que cobre escândalos políticos e tragédias é o mais apelativo. Mas o de esportes também o é. No início deste texto falei um pouco da Fórmula 1, ou melhor, dos acidentes da Fórmula 1. Bem, esporte, na minha opinião, é uma das coisas mais gostosas de praticar e uma das mais chatas de assistir. Os diversos esportes só se mantém muito bem televisionados por causa das surpresas que muitas vezes ocorrem. Foi o caso da maratonista suíça Gabriela Andersen-Schiess, que conseguiu cruzar a linha de chegada com muita dificuldade, devido à sua exaustão física, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. O povo no estádio aplaudia muito e, na TV, todo mundo parou para ver seu sacrifício. Fato curioso foi também o jogo Portugal X Neerlândia (Países Baixos), na péssima Copa do Mundo de 2006, quando o 'pau quebrou' e, já que 'na bola' a Copa não ia bem, um jogo 'quente', cheio de faltas feias e expulsões (foram dados 16 cartões amarelos e 4 vermelhos), virou o melhor dela! Após a Copa de 2010, que foi também meio chata, as regras do jogo foram mudadas e o tamanho do campo reduzido, o que transformou o futebol em um circo romano e com muito mais gols. Equipes que nunca tiveram muita projeção conseguiram até ganhar alguns campeonatos importantes, sempre se utilizando das famosas arenas, com muita gritaria da torcida e, consequentemente, correria do time.
Felizmente as belas vitórias chamam ainda mais atenção e prendem o público também. Mas, sem o elemento superação, que inclui uma dose de sofrimento, a coisa fica meio sem graça. Foi bonito ver o Dream Team dos Estados Unidos disputar as Olimpíadas de Barcelona, em 1992. Mas, sem nenhum adversário à altura (bem que a Croácia tentou, na final), ficou uma coisa meio Harlem Globetrotters, uma exibição. Por outro lado, na Eurocopa 2016, o golaço de Portugal, no segundo tempo da prorrogação, contra a França, dentro da França, tendo perdido seu melhor jogador, o melhor-do-mundo Cristiano Ronaldo (no princípio do jogo), é um exemplo de superação! Para completar, Éder, o jogador que marcou o gol é negro e nasceu na Guiné-Bissau, isso tudo no meio de uma crise europeia que vem aumentando os níveis de xenofobia em todo o continente! Valem as lágrimas!
Voltando à política, observo que hoje em dia muita gente virou jornalista, jurista e comentarista. Sem nenhuma base, conhecimento, auto controle, reflexão e, o que é mais importante, sabedoria, muitos dos perfis das redes sociais, principalmente do Facebook, se tornaram 'jornalzinhos' particulares sobre política, algo como as antigas fanzines. Muito ideológicas, sem profundidade, as pessoas compartilham qualquer coisa que lhes agradam e pouco do que escrevem tem discernimento. Publicações vindas de páginas que só escrevem de um lado da história (ou estória), sejam elas chamadas de 'esquerda' ou 'direita', é lugar-comum. Uma amiga é fã de um sujeito que diz ser jornalista, mas seu perfil é estranho, não tem foto, não há nenhuma referência sobre ele na internet e o tipo só fala de um ponto de vista. Desponta para o anonimato.
Mas e a notícia, não deve ser dada? Perguntei uma vez ao célebre e respeitadíssimo jornalista Zuenir Ventura, autor, dentre outros livros, de '1968 - O Ano Que Não Terminou', sobre o assunto. Sua resposta foi categórica, relatando que o volume de informações que chega a uma redação é tão grande, hoje em dia, que eles têm dificuldade para filtrar e confirmar tudo. E, mesmo que um jornal, escrito ou televisivo, não publique essas notícias bombásticas, os outros o farão e ele fica para trás. Zuenir, que estava lançando seu romance 'A Sagrada Família' disse da sua felicidade em escrever uma história de ficção, em que teve muita liberdade para inventar, pois notícias sobre política davam muito trabalho. Ele disse que podem ocorrer exageros, sim, mas que os repórteres sérios checam com várias fontes para terem certeza de que uma informação é correta. O processo todo é extremamente trabalhoso.
E como ser bem informado? Bem, meu texto já dá, nem modesta e nem imodestamente, o exemplo. Todos os dados acima foram cuidadosamente checados em páginas oficiais e sempre em mais de uma. Minha memória é boa, mas não é o suficiente. Minha experiência como tradutor ajuda. No caso de um texto científico, muitas vezes encontro a tradução de um termo técnico em um dicionário físico ou virtual. Mas, para a comprovação da existência e uso do termo, sempre realizo uma pesquisa rigorosa em textos publicados em sites e/ou revistas, muitas vezes ligados a boas universidades e sempre com excelente aceitação pelos profissionais da área de estudo. E ainda utilizo minha querida biblioteca física. Isso tudo vem com a experiência, é claro. Este é só um exemplo, pois cada área tem sua característica própria para uma boa análise.
Sobre opinião pessoal a respeito de um assunto polêmico ou não, entendo que o conhecimento é importante, bem como a inteligência para fazer as ligações que nos permitem uma reflexão. Mas sem sabedoria, o vazio é enorme. Ideologias fortes e muito enraizadas nas profundas camadas inconscientes das pessoas prejudicam sensivelmente o discernimento e, consequentemente, cegam da pior forma os seres humanos. De seu cárcere, é difícil sair, pois as grades são, muitas vezes, impenetráveis.
As notícias amenas ou não são como qualquer coisa que ingerimos, como a luz do sol, o alimento e a água. Portanto, concluo este texto com uma orientação do mestre vietnamita Thich Nhat Hanh, que nos ensina em seu Quinto Treinamento Para a Plena Consciência, em um quase mantra:
"Ciente pelo sofrimento causado pelo consumo não consciente, eu me comprometo a cultivar boa saúde, tanto física, como mental, para mim mesmo, minha família e minha sociedade, ao comer, beber e consumir em plena consciência. Eu me comprometo a ingerir somente itens que preservem a paz, o bem-estar e alegria em meu corpo, em minha consciência e no corpo e consciência coletivos de minha família e sociedade. Eu estou determinado a não usar álcool ou qualquer outro intoxicantes e não ingerir comidas ou outros itens que contém toxinas, como certos programas de TV, revistas, livros, filmes e conversas. Eu estou ciente de que causar dano ao meu corpo, ou minha consciência, com estes venenos, é trair meus ancestrais, meus pais, minha sociedade e as futuras gerações. Eu trabalharei para transformar a violência, o medo, a raiva e a confusão em mim mesmo e na sociedade, ao praticar uma dieta para mim e para a sociedade. Eu entendo que uma dieta apropriada é crucial para a autotransformação e para a transformação da sociedade."
Bem, só uma pequena ressalva: um cálice de vinho, em um momento apropriado, não faz mal a ninguém!
Um abraço a todos e que tenham uma bela semana!
As imagens foram utilizadas somente com o objetivo de ilustrar a mensagem. Não há fins comerciais.
Créditos:
Revista Mônica nº47, originalmente lançada em março de 1974. Aqui na edição comemorativa de maio de 2015, publicada pela Panini Comics, págs. 36 a 41;
Tradução livre do trecho entitulado 'The Fifth Mindfulness Training', págs. 55 e 56, do livro 'The Art Of Power', de Thich Nhat Hanh, lançado pela HarperOne em 2007.
sexta-feira, 13 de maio de 2016
Ideologia, Eu Não Quero Uma Para Viver
Caros amigos,
A maior parte dos brasileiros conhece a música de Cazuza:
"Meus heróis morreram de overdose,
meus inimigos estão no poder
Ideologia, eu quero uma para viver!"
Bem, eu não quero uma para viver.
A letra de Cazuza, quase um grito desesperado, em momento de completa desilusão, é, para mim, um raro sinal de discernimento. Caso alguém consiga atingir esse ponto, pode-se dizer que muito de seu sofrimento é extinto.
Batizado em duas tradições cristãs, a católica e a presbiteriana, vivenciei o culto ao dualismo, à 'luta entre o bem e o mal', entre Deus e o diabo. E, ao mesmo tempo, estudava em uma escola cuja tradição filosófica não possuía as mesmas crenças cristãs e, até como uma atitude de auto preservação, criava o seu dualismo ao se contrapor ao cristianismo.
E ainda por cima, meus pais, respeitosos para com todas as crenças, deixaram que meu irmão e eu visitássemos um centro espírita, a convite de um casal amigo, para receber 'passes', possivelmente por estarmos meio 'endiabrados' em casa. Como conhecia meu pais, sabia e sei que a opção do exorcismo estava, obviamente, descartada.
E para completar a confusão, mesmo não sendo descendentes de alguma família do oriente médio, éramos sócios do Clube Libanês, em uma época em que praticamente somente os libaneses frequentavam o clube, que era uma mistura de cristãos e muçulmanos.
Após essa rica experiência em minha infância, venho estudando, com respeito e curiosidade, as várias manifestações religiosas que, ao longo dos séculos, vem sendo praticadas pela humanidade.
Ao estudar o budismo, não como religião, mas como prática de vida, descobri a minha falta de fé em qualquer credo e, o mais incrível e paradoxo, a minha falta de fé na própria descrença, fruto da curiosidade e do aprendizado que tive e tenho com os mais diversos textos religiosos. E as práticas budistas ainda me fizeram o favor de aumentar meu respeito por outros pontos de vista. Bem, pelos que não são nocivos aos seres vivos.
Mas, por que uso o exemplo da religião em um momento de ebulição política em nosso país?
Exatamente porque eu só consigo ter como referência as diversas desavenças religiosas, que também são frequentes no noticiário, para escrever sobre o dualismo exacerbado que vejo nas redes sociais e nas ruas, principalmente.
Ao abrir minha linha do tempo no Facebook, encontro alguns absurdos, como a defesa cega, por alguns poucos, do retorno de um governo militar ditatorial, como solução para os 'desmandos de nosso país'. Figuras patéticas e caricatas, como a do Sr. Bolsonaro, habitam o ideal de jovens, bem como também de pessoas de meia idade e velhos. A memória fraca, o pouco estudo histórico e, em alguns casos, um natural caráter agressivo e até desrespeito pelo sofrimento alheio, levam algumas pessoas a defenderem a violência e a tortura policial e a intervenção militar de linha dura.
Encontro, em número bem maior, defensores do governo Dilma e do líder máximo do PT, Lula. Esses apoiadores, que se chamam de 'esquerda', demonstram um comportamento fanático e cego, próximo ao fundamentalismo de seitas religiosas. Ao invés de se posicionarem a favor da permanência do governo por eles apoiado, porém criticando-o pelos mais que visíveis erros de conduta, corrupção, gastos excessivos com viagens de oba-oba, dentre inúmeros outros pontos negativos, muitas vezes inerentes à nossa classe política, apenas se fecham em sua defesa, muitas vezes agressiva. Raras são as críticas vindos dos petistas em relação aos seus líderes.
Tal exagero faz com que eu me lembre de Jim Jones, líder do culto 'Templo dos Povos', famoso devido ao suicídio / assassinato em massa, em novembro de 1978, de 918 dos seus membros em Jonestown, Guiana, além do assassinato do congressista Leo Ryan e de quatro mortes adicionais em Georgetown, capital guianense.
Tudo vale em função do projeto de governo. Roubos, má administração, políticos intoxicados pelo poder, desviando-se da ´ética' do partido, não são motivos suficientes para a existência de uma, pelos menos uma só crítica ao governo petista.
Também encontro, em número igual ou superior, 'posts' com as críticas dos detratores do governo, muitas vezes tão agressivos quanto os defensores de uma ditadura militar de linha dura, mas nitidamente menos radicais. Para estes e esses, tenho um comentário: O PT não caiu de paraquedas!
Leciono idiomas há 27 anos. Inglês, espanhol e francês. Mas se eu não lecionasse inglês, estaria com dificuldades, pela natural menor procura pelos outros idiomas. Caminhe pela cidade e verifique quantas escolas há de ensino de inglês e quantas há dos outros idiomas. Um produto, partido político ou qualquer outra coisa, existe porque há procura.
Daí meu comentário. Por que o movimento 'PT' cresceu no Brasil? É porque nele havia e há quadros políticos de renomada capacidade? Sinceramente, não acho. Será porque, no momento de sua criação, o mundo ainda vivia sob o dualismo americano-soviético e o PT seria um partido que tenderia para o lado comunista? Bem, essa até poderia ser uma explicação, mas não para o crescimento do partido e sim para sua criação, pois seus fundadores eram os chamados 'intelectuais de esquerda', ligados aos movimentos comunistas, soviéticos ou maoistas, que, para mim, não passam de 'comunistas caviar'. Pessoas normalmente de classe média ou rica, muitos vivendo de forma aristocrática e que jamais gostariam de perder seus privilégios. O modo de vida dispendioso normalmente não acompanha o discurso.
O PT cresceu pois nosso sistema atual de votação é baseado no sufrágio universal, no qual os adolescentes acima de 16 anos têm direito ao voto, sem distinção de etnia, sexo, crença ou classe social. Desprezados, esquecidos, esfomeados e sem qualquer esperança, pobres e miseráveis, se livrando do antigo coronelismo brasileiro, se juntaram à tradicional, porém pequena, militância petista, e conseguiram eleger, pouco a pouco, vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, governadores, senadores e presidentes.
Por populismo ou solidariedade, ou uma mistura dos dois, e me considero incapaz de julgar a proporção da verdadeira intenção dos programas sociais, o PT conseguiu levar comida a lares que jamais tiveram qualquer assistência por parte dos governos anteriores. Só sabe o que é fome na vida quem sofre ou já sofreu por falta de comida. Felizmente, não é meu caso.
Mas tais políticas dependem de dinheiro e de uma administração enxuta, com seriedade para com as contas públicas. Infelizmente, essas não são, historicamente, características de governos de 'esquerda'. O PT se beneficiou de um período da história brasileira em que exportamos de forma espetacular para o voraz consumo capitalista-comunista chinês. O dinheiro entrou, foi usado sem controle e, quando secou, o buraco estava fundo demais.
E fica a observação: Caso não se deseje que uma administração nociva como a petista, de aparelhamento de estado, gastos desordenados e populismo retorne ao nosso país, que passemos a pensar nos miseráveis que ainda habitam as nossas regiões pobres. Mas, como disse o senador Cristóvam Buarque, criador do Bolsa Escola, depois modificado e renomeado como Bolsa Família: 'No princípio do Bolsa Escola, no governo FHC, a família dizia que ganhava a bolsa, pois seu filho ia à escola. Hoje diz que recebe a bolsa, pois é pobre!' E o senador completa: 'Caso se interrompesse o Bolsa Família hoje, isso seria uma tragédia. Mas se, em 20 anos, o Bolsa Família continuar como está, também será uma tragédia!'
Ideologia é, como o próprio nome indica, um conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas.
É como se alguém pegasse uma tesoura de conceitos, cortasse um pedaço com alguns deles e isso se tornasse a verdade absoluta sobre algum assunto.
Tenho sido um observador dos movimentos da política e um crítico do governo que acaba de dar seu adeus, temporário ou não. Mas, nesse processo, não me privo de criticar políticos nos quais votei ou não e que pertencem aos mais variados partidos. Por isso, não sem dificuldade, busco fugir dos fixos e limitados sistemas de ideias que, para mim, significam um cárcere. Mas faço isso mantendo-me respeitoso para com o bem estar público, repudiando os preconceitos e os fundamentalismos e mantendo-me aberto ao diálogo.
Para concluir, gostaria de ilustrar o texto com o riquíssimo personagem Spock, criado para o seriado de televisão Jornada nas Estrelas, de 1966. Em cena do filme Star Trek, de 2009, contracenam o jovem e o velho Spock. A evolução do personagem, inicialmente preso à sua filosofia de comportamento, que chamava de 'lógica', fez com que, nessa cena final, o velho Spock desse um conselho para o jovem Spock: 'Spock, nesse caso faça um favor a si mesmo: deixe a lógica de lado. Faça o que parece ser certo', ou 'o que você sente ser o certo'.
Que o universo nos abençoe e possamos sair dessa situação com serenidade e diálogo.
A maior parte dos brasileiros conhece a música de Cazuza:
"Meus heróis morreram de overdose,
meus inimigos estão no poder
Ideologia, eu quero uma para viver!"
Bem, eu não quero uma para viver.
A letra de Cazuza, quase um grito desesperado, em momento de completa desilusão, é, para mim, um raro sinal de discernimento. Caso alguém consiga atingir esse ponto, pode-se dizer que muito de seu sofrimento é extinto.
Batizado em duas tradições cristãs, a católica e a presbiteriana, vivenciei o culto ao dualismo, à 'luta entre o bem e o mal', entre Deus e o diabo. E, ao mesmo tempo, estudava em uma escola cuja tradição filosófica não possuía as mesmas crenças cristãs e, até como uma atitude de auto preservação, criava o seu dualismo ao se contrapor ao cristianismo.
E ainda por cima, meus pais, respeitosos para com todas as crenças, deixaram que meu irmão e eu visitássemos um centro espírita, a convite de um casal amigo, para receber 'passes', possivelmente por estarmos meio 'endiabrados' em casa. Como conhecia meu pais, sabia e sei que a opção do exorcismo estava, obviamente, descartada.
E para completar a confusão, mesmo não sendo descendentes de alguma família do oriente médio, éramos sócios do Clube Libanês, em uma época em que praticamente somente os libaneses frequentavam o clube, que era uma mistura de cristãos e muçulmanos.
Após essa rica experiência em minha infância, venho estudando, com respeito e curiosidade, as várias manifestações religiosas que, ao longo dos séculos, vem sendo praticadas pela humanidade.
Ao estudar o budismo, não como religião, mas como prática de vida, descobri a minha falta de fé em qualquer credo e, o mais incrível e paradoxo, a minha falta de fé na própria descrença, fruto da curiosidade e do aprendizado que tive e tenho com os mais diversos textos religiosos. E as práticas budistas ainda me fizeram o favor de aumentar meu respeito por outros pontos de vista. Bem, pelos que não são nocivos aos seres vivos.
Mas, por que uso o exemplo da religião em um momento de ebulição política em nosso país?
Exatamente porque eu só consigo ter como referência as diversas desavenças religiosas, que também são frequentes no noticiário, para escrever sobre o dualismo exacerbado que vejo nas redes sociais e nas ruas, principalmente.
Ao abrir minha linha do tempo no Facebook, encontro alguns absurdos, como a defesa cega, por alguns poucos, do retorno de um governo militar ditatorial, como solução para os 'desmandos de nosso país'. Figuras patéticas e caricatas, como a do Sr. Bolsonaro, habitam o ideal de jovens, bem como também de pessoas de meia idade e velhos. A memória fraca, o pouco estudo histórico e, em alguns casos, um natural caráter agressivo e até desrespeito pelo sofrimento alheio, levam algumas pessoas a defenderem a violência e a tortura policial e a intervenção militar de linha dura.
Encontro, em número bem maior, defensores do governo Dilma e do líder máximo do PT, Lula. Esses apoiadores, que se chamam de 'esquerda', demonstram um comportamento fanático e cego, próximo ao fundamentalismo de seitas religiosas. Ao invés de se posicionarem a favor da permanência do governo por eles apoiado, porém criticando-o pelos mais que visíveis erros de conduta, corrupção, gastos excessivos com viagens de oba-oba, dentre inúmeros outros pontos negativos, muitas vezes inerentes à nossa classe política, apenas se fecham em sua defesa, muitas vezes agressiva. Raras são as críticas vindos dos petistas em relação aos seus líderes.
Tal exagero faz com que eu me lembre de Jim Jones, líder do culto 'Templo dos Povos', famoso devido ao suicídio / assassinato em massa, em novembro de 1978, de 918 dos seus membros em Jonestown, Guiana, além do assassinato do congressista Leo Ryan e de quatro mortes adicionais em Georgetown, capital guianense.
Tudo vale em função do projeto de governo. Roubos, má administração, políticos intoxicados pelo poder, desviando-se da ´ética' do partido, não são motivos suficientes para a existência de uma, pelos menos uma só crítica ao governo petista.
Também encontro, em número igual ou superior, 'posts' com as críticas dos detratores do governo, muitas vezes tão agressivos quanto os defensores de uma ditadura militar de linha dura, mas nitidamente menos radicais. Para estes e esses, tenho um comentário: O PT não caiu de paraquedas!
Leciono idiomas há 27 anos. Inglês, espanhol e francês. Mas se eu não lecionasse inglês, estaria com dificuldades, pela natural menor procura pelos outros idiomas. Caminhe pela cidade e verifique quantas escolas há de ensino de inglês e quantas há dos outros idiomas. Um produto, partido político ou qualquer outra coisa, existe porque há procura.
Daí meu comentário. Por que o movimento 'PT' cresceu no Brasil? É porque nele havia e há quadros políticos de renomada capacidade? Sinceramente, não acho. Será porque, no momento de sua criação, o mundo ainda vivia sob o dualismo americano-soviético e o PT seria um partido que tenderia para o lado comunista? Bem, essa até poderia ser uma explicação, mas não para o crescimento do partido e sim para sua criação, pois seus fundadores eram os chamados 'intelectuais de esquerda', ligados aos movimentos comunistas, soviéticos ou maoistas, que, para mim, não passam de 'comunistas caviar'. Pessoas normalmente de classe média ou rica, muitos vivendo de forma aristocrática e que jamais gostariam de perder seus privilégios. O modo de vida dispendioso normalmente não acompanha o discurso.
O PT cresceu pois nosso sistema atual de votação é baseado no sufrágio universal, no qual os adolescentes acima de 16 anos têm direito ao voto, sem distinção de etnia, sexo, crença ou classe social. Desprezados, esquecidos, esfomeados e sem qualquer esperança, pobres e miseráveis, se livrando do antigo coronelismo brasileiro, se juntaram à tradicional, porém pequena, militância petista, e conseguiram eleger, pouco a pouco, vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, governadores, senadores e presidentes.
Por populismo ou solidariedade, ou uma mistura dos dois, e me considero incapaz de julgar a proporção da verdadeira intenção dos programas sociais, o PT conseguiu levar comida a lares que jamais tiveram qualquer assistência por parte dos governos anteriores. Só sabe o que é fome na vida quem sofre ou já sofreu por falta de comida. Felizmente, não é meu caso.
Mas tais políticas dependem de dinheiro e de uma administração enxuta, com seriedade para com as contas públicas. Infelizmente, essas não são, historicamente, características de governos de 'esquerda'. O PT se beneficiou de um período da história brasileira em que exportamos de forma espetacular para o voraz consumo capitalista-comunista chinês. O dinheiro entrou, foi usado sem controle e, quando secou, o buraco estava fundo demais.
E fica a observação: Caso não se deseje que uma administração nociva como a petista, de aparelhamento de estado, gastos desordenados e populismo retorne ao nosso país, que passemos a pensar nos miseráveis que ainda habitam as nossas regiões pobres. Mas, como disse o senador Cristóvam Buarque, criador do Bolsa Escola, depois modificado e renomeado como Bolsa Família: 'No princípio do Bolsa Escola, no governo FHC, a família dizia que ganhava a bolsa, pois seu filho ia à escola. Hoje diz que recebe a bolsa, pois é pobre!' E o senador completa: 'Caso se interrompesse o Bolsa Família hoje, isso seria uma tragédia. Mas se, em 20 anos, o Bolsa Família continuar como está, também será uma tragédia!'
Ideologia é, como o próprio nome indica, um conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas.
É como se alguém pegasse uma tesoura de conceitos, cortasse um pedaço com alguns deles e isso se tornasse a verdade absoluta sobre algum assunto.
Tenho sido um observador dos movimentos da política e um crítico do governo que acaba de dar seu adeus, temporário ou não. Mas, nesse processo, não me privo de criticar políticos nos quais votei ou não e que pertencem aos mais variados partidos. Por isso, não sem dificuldade, busco fugir dos fixos e limitados sistemas de ideias que, para mim, significam um cárcere. Mas faço isso mantendo-me respeitoso para com o bem estar público, repudiando os preconceitos e os fundamentalismos e mantendo-me aberto ao diálogo.
Para concluir, gostaria de ilustrar o texto com o riquíssimo personagem Spock, criado para o seriado de televisão Jornada nas Estrelas, de 1966. Em cena do filme Star Trek, de 2009, contracenam o jovem e o velho Spock. A evolução do personagem, inicialmente preso à sua filosofia de comportamento, que chamava de 'lógica', fez com que, nessa cena final, o velho Spock desse um conselho para o jovem Spock: 'Spock, nesse caso faça um favor a si mesmo: deixe a lógica de lado. Faça o que parece ser certo', ou 'o que você sente ser o certo'.
Que o universo nos abençoe e possamos sair dessa situação com serenidade e diálogo.
domingo, 17 de abril de 2016
Está Difícil Encontrar Um Noé
Está Difícil Encontrar Um Noé
Para o mundo ocidental, a lenda do Dilúvio, da Arca de Noah, ou Noé, é muito conhecida. E é aceita como verídica por muitos judeus, cristãos e muçulmanos. Essa estória já está contida no épico de Gilgamesh. Os hebreus souberam dela quando de seu exílio na Babilônia e a reproduziram da sua forma. Mas isso não tem tanta importância para nossa história. Ou tem?
Por que aqui escrevo: ‘Está Difícil Encontrar Um Noé’?
Noé, segundo relatam alguns especialistas em religião judaica, não era bem um sujeito nota 10, um Francisco de Assis para os cristãos. Mas era o que tinha de melhor na região. E foi com ele mesmo que Jeová seguiu com seu projeto de extermínio de quase todos os seres vivos.
E aí está a nossa situação, às vésperas de uma exótica votação de impeachment.
Em um texto que escrevi, sob o título ‘O País dos Golpes’, publicado nesta mesma página no final do ano passado, descrevi como o sujo jogo político se desenrola no Brasil.
Parece que nada está certo.
Comandando o executivo, pelo menos no papel, está a Sra. Dilma Rousseff, com um passado que não é dos mais limpos, guerrilheira para a causa da ditadura do proletariado.
Tem o direito de consertar? Claro, todos temos.
Mas não é o que se tem visto. Seus seguidores dizem, para os quatro cantos, que ela pode até não ser uma boa presidente, mas é honesta.
Caros amigos. Honesta? Tenho absoluta convicção, pois não sou tolo, de que a Sra. Dilma tinha total conhecimento dos desvios da Petrobrás para os projetos de poder do PT e aliados. Isso é honestidade?
E os gastos faraônicos de seu governo. Lembro que, para a recente convenção do clima em Paris, no meio de uma devastadora crise econômica, ela levou 900 pessoas, ficando as mesmas em hotéis de luxo na capital francesa. Isso é ser honesta?
E sobre as mentiras durante o processo de reeleição, além de, agressivamente, destruir pessoalmente a candidata Marina Silva?
Para não cansar mais os leitores, deixando de lado as dezenas de outros exemplos existentes, somente digo-lhes: Isso é desonestidade!
Mas quais são as opções: Michel Temer.
Alguns dizem que é um vampiro, no sentido mais direto da palavra, pois está se aproveitando da situação. Está aí fazendo das suas, se reunindo na maior ‘cara-de-pau’ com líderes políticos das mais variadas etnias, já formando seu ‘governo’. Devia ser mais discreto. Curiosamente, também pode sofrer seu impedimento, com direito a dois possíveis processos.
Outra opção: Eduardo Cunha.
Esse aí, segundo as palavras de Roberto Jefferson, o que denunciou o ‘mensalão’, é um 'pistoleiro', ‘o único adversário a altura de Lula e da quadrilha que aí está’, pois, nesse caso, é ‘uma briga de foice’, onde ‘vale tudo’.
Rodrigo Janot, procurador-geral da República, o chamou de delinquente.
Rodrigo Janot, procurador-geral da República, o chamou de delinquente.
Cunha está atolado com os processos de corrupção que recaem sobre ele. O Supremo Tribunal Federal vai começar a julgá-los e ele não dura muito não.
Ele é o retrato de um Congresso Nacional cheio de desconhecidos, muitos deles aguardando na fila para serem julgados pelo STF, pois, como têm foro privilegiado, não podem ser julgados no Tribunal de Primeira Instância. Mas são pessoas eleitas por nós mesmos. Fiquem de olho em quem vocês vão votar na próxima eleição.
Renan Calheiros é a opção seguinte ao Sr. Cunha. Aliado fiel de Lula e Dilma, não fica atrás. Está aí desde o Collor, fazendo das suas. Em 2009, durante um discurso que pedia a renúncia de Sarney da presidência do Senado, o então senador Pedro Simon criticou Calheiros muitas vezes. Uma de suas falas é: 'Calheiros abandonou Collor quando lhe foi conveniente e sempre apoiou qualquer governo'. Sobre ele há muitas acusações graves, vindas da operação Lava Jato. É bem capaz de cair também.
Renan Calheiros é a opção seguinte ao Sr. Cunha. Aliado fiel de Lula e Dilma, não fica atrás. Está aí desde o Collor, fazendo das suas. Em 2009, durante um discurso que pedia a renúncia de Sarney da presidência do Senado, o então senador Pedro Simon criticou Calheiros muitas vezes. Uma de suas falas é: 'Calheiros abandonou Collor quando lhe foi conveniente e sempre apoiou qualquer governo'. Sobre ele há muitas acusações graves, vindas da operação Lava Jato. É bem capaz de cair também.
Como um dominó, será que teremos um futuro não mencionado pelos analistas mais experientes.
A minha ‘Noé’ é a ministra Cármen Lúcia, a senhora de lindos cabelos. Não que eu goste de todas as suas decisões, mas entre todos os citados, é nossa única esperança de seriedade. Com a saída do sinistro ministro Lewandowsdi da presidência do STF, quem será eleita é a ministra Cármen Lúcia. Serena, educada e didática. É a quinta na linha sucessória do poder executivo.
Será que ela, no caso de um impeachment e queda dos outros diversos sucessores, pode nos conduzir até às próximas eleições como...Presidente do Brasil. Sim, Presidente, pois ela não teria o mau gosto de usar um termo tão horroroso, em português, como o usado pela Sra. Dilma.
Não sou um religioso, mas sou um estudioso do tema. Então, aqui termino com a linda passagem do arco-íris, contida na estória do dilúvio bíblico. A bela tradução, vinda dos originais mais antigos, foi realizada pelo francês judeu André Chouraqui, e traduzida para o português por Carlito Azevedo.
Se nossos governantes pudessem esquecer a cobiça que há em seus corações, nosso país seria certamente muito melhor. Que o arco-íris no céu de Brasília possa iluminar suas decisões!
Que o Universo nos abençoe, seja qual for o resultado de hoje!
Um abraço aos amigos e obrigado por lerem minhas palavras!
Gênesis 9,12-16
12. Elohîms diz: “Eis o sinal do pacto que ofereço
entre mim, entre vós
e entre todo ser vivente que há convosco
pelos ciclos perenemente.
13. Meu arco, à nuvem eu o dei,
ele é o sinal do pacto entre mim e a terra,
14. quando eu fizer nublar a nuvem sobre a terra
e meu arco tornar-se visível na nuvem,
15. eu memorizarei meu pacto entre mim, entre vós
e entre todo ser vivente em toda carne.
As águas não mais serão para o dilúvio,
para destruir toda carne.
16. E o arco está na nuvem:
eu o vejo para memória do pacto de eternidade,
entre Elohîms e entre todo ser vivente,
em toda carne que está sobre a terra.”
Comentário do Tradutor: Elohîms renuncia à guerra contra a humanidade; como um guerreiro, ele depõe seu arco nos céus, ele se desarma e este gesto deve recordar-lhe, e também ao homem, sua lei de vida, seu novo pacto com a criação inteira. Ao caráter universal do pacto corresponde um signo cósmico universal: o arco-íris enquanto símbolo de paz.
segunda-feira, 14 de março de 2016
Um Dia Histórico
Caros amigos,
Ontem, dia 13 de março de 2016, realmente entrou para a história.
Milhões de pessoas nas ruas de todas as capitais do país, milhares em outras tantas cidades menores, todas protestando contra o governo da presidente Dilma e contra o ‘honestíssimo’ e ‘modesto-em-suas-palavras’ Lula. E todas apoiando as investigações da lava-jato, que já é instituição nacional, liderada pelo juiz Sérgio Moro. Foi a maior manifestação brasileira de todos os tempos!
Uma parte da população, agarrada ao governo vigente, historicamente associada ao PT e outros partidos chamados de ‘esquerda’ (sempre o dualismo), tenta, há meses, tirar a validade das notícias veiculadas pela imprensa e replicadas nas redes sociais. Sim, concordo que há exageros, e dos ‘dois lados’, mas, com a prática, os bem-intencionados conseguem filtrar as informações que vem das suas fontes.
Essa mesma parte da população, que também tem o seu direito de se expressar, é claro, tenta associar os que vem protestando aos direitistas, golpistas, neonazistas, pessoas que buscam o retorno ao regime militar e bobagens do tipo. Sim, no meio de milhões, encontramos alguns que, por não terem vivido a época das colossais ditaduras, sejam elas chamadas de ‘esquerda’ ou ‘direita’ (olha o dualismo aí de novo!), ou por absoluta falta de memória, ou por idiotice mesmo, defendam golpes militares no estilo da antiga quartelada, tão comuns na América Latina.
No sábado, dia 12 de março, ainda encontrei em minha linha do tempo, uma charge ligando a manifestação que ocorreria no dia seguinte à que ocorreu antes do golpe civil-militar (e depois só militar) de 1964. Como se a população fosse aceitar um golpe desses. E como se isso fosse muito provável, ou seja, como se, em um passe de mágica, aparecesse uma espetacular liderança militar e tomasse o poder, ‘para fazer a limpeza’! Parece piada, mas tem gente que ainda acredita nisso, dos chamados ‘dois lados’ (olha os dois lados se bicando de novo).
Ainda falando dos radicalismos, durante toda a semana passada o desespero tomou conta dos que não queriam o sucesso das manifestações de ontem. Era veiculado em blogs e sites de extrema esquerda, replicados nas redes sociais, que o objetivo das manifestações era criar um clima de violência! Pura besteira, pois tirando um ou outro caso, como o do sujeito que foi detido carregando um extintor de incêndio na mochila (há sempre um idiota no meio, é claro), as manifestações ocorreram de forma extremamente pacífica, demonstrando o bom nível de educação e respeito cível das pessoas que foram às ruas.
Aqui, e com justiça, é importante elogiar o comportamento da Presidente Dilma Rousseff, que pediu às suas bases que essas solicitassem aos seus seguidores não saírem às ruas, para evitar confrontos. Disse que iria respeitar as manifestações e assim foi por todo o dia. Lula, ao contrário, quase incendiou o país com seu discurso escatológico de uma semana atrás, ‘proferido’ após ser emparedado pela justiça.
Hoje, 14 de março, ainda li um ou outro texto mencionando que não havia pessoas simples nas ruas, na tentativa inglória de diminuir o sucesso das manifestações de ontem. As imagens são fartas, com gente de todo jeito, brancos, negros, amarelos, se assim podem ser chamados, ricos (aí não, ricos mesmo não estão preocupados, pois são sempre beneficiados), classe média, classe c etc etc. Talvez a grande massa possa ser mesmo da classe média, em todas as suas divisões, o que é importante ressaltar. Mas é exatamente essa classe que, ao trabalhar e consumir serviços gerais, paga os impostos deste país, ou seja, o dinheiro que deveria ser bem distribuído em educação, saúde, transporte, segurança de qualidade, dentre outros, e não é.
Caiu por terra todos os argumentos defendidos por mentes atoladas em anos de lavagem cerebral. É difícil se livrar das ilusões, das formações mentais enraizadas na consciência armazenadora.
Mas o que importa é que boa parte da população está extremamente desiludida. Este é o primeiro passo. E o que fazer?
Primeiramente, na vida pessoal de cada um, verificar o que pode ser mudado. Deve-se analisar se não está corrompido em seu pensamento egocêntrico, se não pratica também atos de corrupção, tão presentes no dia-a-dia de nosso país.
E sobre o governo? O que fazer? Dilma-Temer-Cunha-Calheiros. Taí a linha sucessória! Cada um pior que o outro!
É óbvio que a chamada ‘oposição’ vai querer levar vantagem na possível queda de Dilma. Mas, no caso de vitória de um Aécio ou Alckmin, por exemplo, em uma futura eleição (tomara que não!), não pensem eles que terão a mesma vida fácil que já tiveram como governadores de seus estados. Vão ter que caminhar no fio da navalha! Ontem, ficou bem claro, pelas imagens, áudios e fotos, a rejeição dos manifestantes a qualquer um que quisesse capitanear vantagens políticas com as manifestações.
Vitoriosos: O povo brasileiro e o juiz Sergio Moro, agora renovado para continuar seu trabalho.
Que o universo nos abençoe e que possamos caminhar para soluções melhores, tanto para nós mesmos como para nosso país!
Agradeço pela leitura de minhas palavras e que tenham um ótimo dia!
Ontem, dia 13 de março de 2016, realmente entrou para a história.
Milhões de pessoas nas ruas de todas as capitais do país, milhares em outras tantas cidades menores, todas protestando contra o governo da presidente Dilma e contra o ‘honestíssimo’ e ‘modesto-em-suas-palavras’ Lula. E todas apoiando as investigações da lava-jato, que já é instituição nacional, liderada pelo juiz Sérgio Moro. Foi a maior manifestação brasileira de todos os tempos!
Uma parte da população, agarrada ao governo vigente, historicamente associada ao PT e outros partidos chamados de ‘esquerda’ (sempre o dualismo), tenta, há meses, tirar a validade das notícias veiculadas pela imprensa e replicadas nas redes sociais. Sim, concordo que há exageros, e dos ‘dois lados’, mas, com a prática, os bem-intencionados conseguem filtrar as informações que vem das suas fontes.
Essa mesma parte da população, que também tem o seu direito de se expressar, é claro, tenta associar os que vem protestando aos direitistas, golpistas, neonazistas, pessoas que buscam o retorno ao regime militar e bobagens do tipo. Sim, no meio de milhões, encontramos alguns que, por não terem vivido a época das colossais ditaduras, sejam elas chamadas de ‘esquerda’ ou ‘direita’ (olha o dualismo aí de novo!), ou por absoluta falta de memória, ou por idiotice mesmo, defendam golpes militares no estilo da antiga quartelada, tão comuns na América Latina.
No sábado, dia 12 de março, ainda encontrei em minha linha do tempo, uma charge ligando a manifestação que ocorreria no dia seguinte à que ocorreu antes do golpe civil-militar (e depois só militar) de 1964. Como se a população fosse aceitar um golpe desses. E como se isso fosse muito provável, ou seja, como se, em um passe de mágica, aparecesse uma espetacular liderança militar e tomasse o poder, ‘para fazer a limpeza’! Parece piada, mas tem gente que ainda acredita nisso, dos chamados ‘dois lados’ (olha os dois lados se bicando de novo).
Ainda falando dos radicalismos, durante toda a semana passada o desespero tomou conta dos que não queriam o sucesso das manifestações de ontem. Era veiculado em blogs e sites de extrema esquerda, replicados nas redes sociais, que o objetivo das manifestações era criar um clima de violência! Pura besteira, pois tirando um ou outro caso, como o do sujeito que foi detido carregando um extintor de incêndio na mochila (há sempre um idiota no meio, é claro), as manifestações ocorreram de forma extremamente pacífica, demonstrando o bom nível de educação e respeito cível das pessoas que foram às ruas.
Aqui, e com justiça, é importante elogiar o comportamento da Presidente Dilma Rousseff, que pediu às suas bases que essas solicitassem aos seus seguidores não saírem às ruas, para evitar confrontos. Disse que iria respeitar as manifestações e assim foi por todo o dia. Lula, ao contrário, quase incendiou o país com seu discurso escatológico de uma semana atrás, ‘proferido’ após ser emparedado pela justiça.
Hoje, 14 de março, ainda li um ou outro texto mencionando que não havia pessoas simples nas ruas, na tentativa inglória de diminuir o sucesso das manifestações de ontem. As imagens são fartas, com gente de todo jeito, brancos, negros, amarelos, se assim podem ser chamados, ricos (aí não, ricos mesmo não estão preocupados, pois são sempre beneficiados), classe média, classe c etc etc. Talvez a grande massa possa ser mesmo da classe média, em todas as suas divisões, o que é importante ressaltar. Mas é exatamente essa classe que, ao trabalhar e consumir serviços gerais, paga os impostos deste país, ou seja, o dinheiro que deveria ser bem distribuído em educação, saúde, transporte, segurança de qualidade, dentre outros, e não é.
Caiu por terra todos os argumentos defendidos por mentes atoladas em anos de lavagem cerebral. É difícil se livrar das ilusões, das formações mentais enraizadas na consciência armazenadora.
Mas o que importa é que boa parte da população está extremamente desiludida. Este é o primeiro passo. E o que fazer?
Primeiramente, na vida pessoal de cada um, verificar o que pode ser mudado. Deve-se analisar se não está corrompido em seu pensamento egocêntrico, se não pratica também atos de corrupção, tão presentes no dia-a-dia de nosso país.
E sobre o governo? O que fazer? Dilma-Temer-Cunha-Calheiros. Taí a linha sucessória! Cada um pior que o outro!
É óbvio que a chamada ‘oposição’ vai querer levar vantagem na possível queda de Dilma. Mas, no caso de vitória de um Aécio ou Alckmin, por exemplo, em uma futura eleição (tomara que não!), não pensem eles que terão a mesma vida fácil que já tiveram como governadores de seus estados. Vão ter que caminhar no fio da navalha! Ontem, ficou bem claro, pelas imagens, áudios e fotos, a rejeição dos manifestantes a qualquer um que quisesse capitanear vantagens políticas com as manifestações.
Vitoriosos: O povo brasileiro e o juiz Sergio Moro, agora renovado para continuar seu trabalho.
Que o universo nos abençoe e que possamos caminhar para soluções melhores, tanto para nós mesmos como para nosso país!
Agradeço pela leitura de minhas palavras e que tenham um ótimo dia!
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
Impacto nos Cursos D'água de Cidades Históricas Mineiras
As
Barragens do Fundão e de Santarém, ambas em Bento Rodrigues, em Mariana,
Minas Gerais, romperam na tarde de 5 de novembro de 2015. Causa:
péssimo estado de conservação e omissão dos proprietários, fiscais e
governantes, mantendo-as em sua capacidade máxima de utilização. Elas
foram construídas pela Samarco Mineração S.A. (Vale S.A. e BHP Billiton)
usando técnicas primitivas para acomodar rejeitos provenientes da extração
de minério de ferro. Seu objetivo foi contribuir para a manutenção da
ganância e consumo excessivo dos seres humanos. O rompimento das
barragens causou o maior desastre ambiental do Brasil, em toda sua
história, e um dos maiores do planeta.
Passaram-se três meses de muita confusão, pouca punição e o Rio Doce está mais sujo ainda.
Para começar a discutir um assunto, temos que conhecê-lo melhor. Então, com a licença da arquiteta Susana Leal Santana, aqui abro o espaço para a publicação de sua importante Dissertação de Mestrado (Escola de Arquitetura - UFMG, 2013).
O título é:
Impacto nos Cursos D'água de Cidades Históricas Mineiras: Estudo de Caso : Córrego do Seminário de Mariana.
Encontrado em PDF no link abaixo (ao abrir a página, o acesso ao PDF está bem no final)
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/…/han…/1843/AMFE-9B8PXC
Fica a frase, presente na dissertação:
“O Ciclo do Ouro nos deixou o Barroco, o Ciclo do Ferro nos deixa o Barraco.”
Ângelo Oswaldo de Araújo Santos*
(Então prefeito de Ouro Preto, na sua terceira administração, em audiência pública sobre tombamento da Serra da Moeda na
Assembleia Legislativa de Minas Gerais)
Para começar a discutir um assunto, temos que conhecê-lo melhor. Então, com a licença da arquiteta Susana Leal Santana, aqui abro o espaço para a publicação de sua importante Dissertação de Mestrado (Escola de Arquitetura - UFMG, 2013).
O título é:
Impacto nos Cursos D'água de Cidades Históricas Mineiras: Estudo de Caso : Córrego do Seminário de Mariana.
Encontrado em PDF no link abaixo (ao abrir a página, o acesso ao PDF está bem no final)
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/…/han…/1843/AMFE-9B8PXC
Fica a frase, presente na dissertação:
“O Ciclo do Ouro nos deixou o Barroco, o Ciclo do Ferro nos deixa o Barraco.”
Ângelo Oswaldo de Araújo Santos*
(Então prefeito de Ouro Preto, na sua terceira administração, em audiência pública sobre tombamento da Serra da Moeda na
Assembleia Legislativa de Minas Gerais)
Thor na Terra dos Gigantes
Caros amigos,
Cada cultura possui sua raiz e, em todas, podemos encontrar ótimos exemplos para nossa vida.
Cada cultura possui sua raiz e, em todas, podemos encontrar ótimos exemplos para nossa vida.
O que envio em anexo vem da antiga e rica religião germânica, ainda
presente na literatura (Senhor dos Anéis, p. ex.), Ópera (Richard
Wagner), filmes (A Maldição do Anel e Thor, p.ex.), dentre outras áreas.
Suas histórias e ensinamentos podem ainda nos ajudar, como na, hoje
considerada lenda, história de ‘Thor na Terra dos Gigantes’.
Não gosto de enviar textos grandes, mas, caso queiram ler, este merece. E digitalizei de um livro que é enriquecido com desenhos e as letras são grandes. Especialmente para transmitir uma mensagem que acho muito importante.
Às vezes corremos o mundo atrás de algo, nos desgastamos em excesso, tentamos convencer as pessoas sobre alguma coisa ou perdemos muito tempo atrás de um desejo. Falando deste, há aquela idéia antiga-moderna de que, quando queremos muito alguma coisa, temos que nos concentrar ardentemente nela...e aí obtemos a mesma. E nosso ‘ego’ incha todo. E dizemos para nós mesmos e para os outros: ‘Tá vendo...eu consegui. Sou o bom’. E após conseguir, horas ou dias depois (dependendo da coisa ou da conquista), já não nos importamos mais com ela. E, em muitos casos, ocorre o pior: nos arrependemos de ter um dia desejado, pois o prejuízo que nos causou foi muito grande. Machucamos a nós mesmos e aos outros.
Mas, é claro, nada nos impede de ter a vontade positiva de crescer profissionalmente e pessoalmente. Para isso devemos, de forma natural e sem agredirmos a nós mesmos e aos outros, nos dedicarmos às nossas aptidões e aos relacionarmos com as pessoas de forma autêntica.
Para quem quiser conhecer um pouco do mundo nórdico, que sobreviveu ao agressivo fundamentalismo religioso medieval (infelizmente presente até hoje, em suas diversas faces), eu lhes envio as páginas em anexo.
O texto é dedicado à minha querida Laila Kierulff, autêntica Viking, mesmo com sua ternura, gentileza e doçura!
Grande Abraço e Ótima Semana!
Ernesto Abreu Valle
Observação:
O material foi utilizado somente com o objetivo de ilustrar uma mensagem. Não há fins comerciais. Dados do livro:
‘O Livro Ilustrado dos Mitos’
Recontados por Neil Philip
Ilustrado por Nilesh Mistry
Ed. Marco Zero
Não gosto de enviar textos grandes, mas, caso queiram ler, este merece. E digitalizei de um livro que é enriquecido com desenhos e as letras são grandes. Especialmente para transmitir uma mensagem que acho muito importante.
Às vezes corremos o mundo atrás de algo, nos desgastamos em excesso, tentamos convencer as pessoas sobre alguma coisa ou perdemos muito tempo atrás de um desejo. Falando deste, há aquela idéia antiga-moderna de que, quando queremos muito alguma coisa, temos que nos concentrar ardentemente nela...e aí obtemos a mesma. E nosso ‘ego’ incha todo. E dizemos para nós mesmos e para os outros: ‘Tá vendo...eu consegui. Sou o bom’. E após conseguir, horas ou dias depois (dependendo da coisa ou da conquista), já não nos importamos mais com ela. E, em muitos casos, ocorre o pior: nos arrependemos de ter um dia desejado, pois o prejuízo que nos causou foi muito grande. Machucamos a nós mesmos e aos outros.
Mas, é claro, nada nos impede de ter a vontade positiva de crescer profissionalmente e pessoalmente. Para isso devemos, de forma natural e sem agredirmos a nós mesmos e aos outros, nos dedicarmos às nossas aptidões e aos relacionarmos com as pessoas de forma autêntica.
Para quem quiser conhecer um pouco do mundo nórdico, que sobreviveu ao agressivo fundamentalismo religioso medieval (infelizmente presente até hoje, em suas diversas faces), eu lhes envio as páginas em anexo.
O texto é dedicado à minha querida Laila Kierulff, autêntica Viking, mesmo com sua ternura, gentileza e doçura!
Grande Abraço e Ótima Semana!
Ernesto Abreu Valle
Observação:
O material foi utilizado somente com o objetivo de ilustrar uma mensagem. Não há fins comerciais. Dados do livro:
‘O Livro Ilustrado dos Mitos’
Recontados por Neil Philip
Ilustrado por Nilesh Mistry
Ed. Marco Zero
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